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Cineasta critica 'indústria da ditadura'

"Jogo das Decapitações", novo filme de Sérgio Bianchi, ironiza mercado voraz gerado em torno das indenizações

Longa revê em tom sardônico a trajetória de militantes contra a opressão e os conflitos entre classes no Brasil

MARCO RODRIGO ALMEIDA DE SÃO PAULO

Poucas coisas irritam mais Sérgio Bianchi do que ser chamado de provocador. Para seu azar, é quase sempre assim que se referem a ele quando falam de seus filmes.

Bianchi, 68, é o diretor de "A Causa Secreta" (1994), "Cronicamente Inviável" (2000) e "Quanto Vale ou É Por Quilo?", (2005), entre outros. Mais que um enredo propriamente dito, trazem um espetáculo de horrores do cotidiano brasileiro: violência, ódio entre as classes, corrupção, racismo.

Todos renderam debates acalorados e outros rótulos que Bianchi considera irritantes: "terrorista do cinema nacional, "homem-bomba", "sádico".

"Isso é uma desqualificação realmente séria. É como chamar uma pessoa de comunista na década de 1970", diz."Eu apenas aponto as contradições, mostro o que é óbvio. Se falar o óbvio é ser provocador, então essa elite intelectual de hoje é retardada mental."

Para desconsolo de Bianchi, seu novo filme, "Jogo das Decapitações", em exibição na 37ª Mostra de Cinema de São Paulo, não deve alterar a maneira como o veem.

Ao receber a Folha em seu apartamento no centro de São Paulo, na última quinta (dia 24), o diretor estava ressabiado. Dias antes, em um programa de TV sobre cinema que tratava de seu novo trabalho, fora chamado exatamente de "terrorista".

"Jogo das Decapitações" traz a nitroglicerina costumeira de seus filmes. Se em "Quanto Vale ou É Por Quilo?" ele denunciava as associações filantrópicas que transformavam a miséria em um negócio lucrativo, agora um de seus alvos é o que chama de "indústria da ditadura", referência às indenizações milionárias pagas a vítimas do regime militar.

Por meio de um grupo de torturados pela repressão, hoje na faixa dos 60 anos, o filme retrata em tom sardônico o mercado voraz de advogados e os conchavos políticos gerados pela "bolsa ditadura".

"Tudo vira indústria. A caridade, o assistencialismo se tornam uma moeda. O que conheço de gente que vive em cima dessa postura e faz com que o desajuste continue..."

O filme mostra a violência policial, a relação tensa entre patrões e empregados e lança perguntas incômodas.

"A tortura é uma ferramenta do poder desde o Brasil Colônia. Durante alguns poucos anos, uns 10, 20, teve gente da classe média que foi torturada. Agora, louvar isso como um Estado de exceção é classismo. Não é?", indaga um dos personagens.

RETRATO GERACIONAL

Bianchi teve a ideia para o filme ao observar os rumos de sua geração."Puxei pessoas que conheço e montei uma história em cima delas. Tem uma alta classe falida paulista enlouquecida para ganhar dinheiro e lutando por indenização. Tem professor marxista que não consegue ver a realidade. Funcionário do governo fabricante de dossiês."

"Se elas dizem que tinham uma ideologia, é mera bobagem, é só luta pelo poder. Eu coloquei tudo a nu e analisei o que isso vai gerar."

Outra intenção foi combater o que chama de "mentiras mantidas pelo sistema". "Falar sobre o que aconteceu na ditadura é uma coisa muito perigosa. A mentira se reproduz. O movimento contra os militares não foi popular. Mas não vou falar sobre isso. Não vou me suicidar, não farei sincericídio", desconversa.

Após alguma insistência, ele diz apenas que "na época [da ditadura] não tinha tanto pobre, periferia...".

O protagonista de "Jogo das Decapitações" é Leandro (Fernando Alves Pinto), filho de ex-guerrilheira (Clarisse Abujamra) que pleiteia indenização. Ele é o típico jovem adulto sem rumo e emprego fixo.

Seus amigos espelham ou o ceticismo total (caso do personagem de Silvio Guindade), ou o conformismo pragmático que diz "o importante é ganhar o meu salário", da personagem de Maria Manoella.

Como sempre em Bianchi, não há um final confortante. "Não acho nada. Gosto de contar as contradições que observo. Não quer dizer que tenha uma solução."


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