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Crítica Poesia

Gosto pelo simples guia obra poética de Nobel polonesa

Companhia das Letras publica volume de Wislawa Szymborska, premiada em 96

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quase nada pode fazer frente a entidades como a morte, a guerra ou a eternidade. Para Wislawa Szymborska, ganhadora do prêmio Nobel de 1996, cuja primeira compilação em português é publicada agora pela Companhia das Letras, a mão que escreve, a varrição de rua por uma mulher depois que a guerra acabou e algo como perder a sombrinha num trem são coisas mais significativas do que essas grandes categorias ou outras como os deuses, as utopias e a felicidade.

"Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas./ Verdade, não me dê excessiva atenção."

Um astrônomo importante fará uma palestra; isso não é tão importante quanto o fato de que ele "por ora dorme, todo enroscado".

No intervalo entre a eloquência de palavras abstratas de que a poesia tanto se alimentou (e ainda teima em se alimentar) e a imanência inatingível de coisas como uma pedra, o vento e uma folha, fica essa poesia que, de forma misteriosamente simples, consegue ser como a própria vida, e não imitação.

"A vida na hora./ Cena sem ensaio./Corpo sem medida./ Cabeça sem reflexão."

Sua escrita é como o grão de areia que não se dá conta da interpretação humana sobre sua existência: "Nós o chamamos de grão de areia. /Mas ele mesmo não se chama de grão, nem de areia."

De uma forma que lembra Carlos Drummond de Andrade -com a autoironia, a ausência total de drama e de ênfase e o alcance filosófico- mas também Manuel Bandeira -na proximidade que mantém com as coisas em estado de simplicidade-, Szymborska faz uma crítica poética do século 20, com um olhar impiedoso sobre suas utopias e tragédias.

Um dos poemas mais fortes do livro, por exemplo, começa com os versos: "E quem é essa gracinha de tiptop?/ É o Adolfinho, filho do casal Hitler!".

Mesmo assim, ainda resiste, na poesia de Szymborska, o gosto por coisas como o cinema, os gatos, a cor verde e as exceções, de que sua poesia é filha e irmã.

Embora seja difícil que algum leitor fale polonês, é perceptível a precisão com que os poemas foram traduzidos por Regina Przybycien, dados o ritmo, a sonoridade e a fluência dos mesmos e também leituras comparativas com textos esparsos já publicados em português, em que tudo parece soar mais duro.

Para quem ainda acha que a poesia é uma linguagem de idealização e de "expressão dos sentimentos", nada como "Sou quem sou./Inconcebível acaso/ como todos os acasos" para diluir o fetiche.

POEMAS

AUTORA Wislawa Szymborska
TRADUTORA Regina Przybycien
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39,50

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