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Salgado narra as origens de seu trabalho

Fotógrafo conta como foi levado a compor uma 'arqueologia visual' dessa era antes que ela seja 'varrida para longe'

Em livro, ele fala da sua infância no interior de Minas e relata como decidiu abandonar a vida de economista

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Nas ilhas Galápagos, arquipélago na costa do Equador, Sebastião Salgado engatinhou um dia todo com uma tartaruga gigante, só para poder fotografar melhor o bicho.

"Fiquei agachado e comecei a caminhar na mesma altura que ela, com palmas e joelhos no chão", conta.

Salgado, 70, decidiu abrir sua biografia, que chega agora às livrarias, com esse relato, dando a entender que embora mostre sempre um instante decisivo, chegar a esse momento exige tempo.

"É aquela brevidade que se materializa na fotografia, mas você precisa caminhar 800 quilômetros para fazer", diz o fotógrafo, em entrevista à Folha. "É necessária uma vida para fazer tudo isso."

Tanto que seus projetos costumam consumir anos e envolvem longas viagens ao redor do planeta, do Equador até o coração da África.

MISÉRIA E DECADÊNCIA

Um dos nomes mais celebrados da fotografia, Salgado fez de sua carreira um testemunho de um mundo em transição, focando a miséria humana em sociedades agrárias ou economias industriais em plena decadência para compor uma "arqueologia visual dessa era antes que ela fosse varrida para longe".

"Foi uma opção de vida, fiz tudo com a maior honestidade intelectual", diz Salgado.

"Fotografia é minha vida, mas não acho que sozinhas as minhas imagens foram determinantes. Eu me vejo como parte de um corpo de ideias, discutindo temas essenciais da nossa história."

Em cinco entrevistas à amiga Isabelle Francq, que escreveu a biografia "Da Minha Terra à Terra", Salgado destrincha os primórdios desse fazer fotográfico, começando pelas origens de seu olhar.

Ele lembra a infância no interior de Minas Gerais, sob "céus carregados atravessados por raios de luz" e longas travessias com o pai, que levava mais de um mês na estrada para levar os porcos da fazenda ao abatedouro.

Dos rincões de Minas às savanas de Ruanda e do Burundi no volante de um Fusca, Salgado narra como abandonou a vida confortável de economista, uma decisão que tomou num barquinho no meio de um lago no parque Hyde, em Londres, e deu tudo o que tinha para virar fotógrafo.

Sua mulher, Lélia, arquiteta e urbanista, chegou a sustentar o casal quando o artista ainda tateava o mundo das agências de fotografia. Viviam num apartamento em Paris que nem chuveiro tinha.

ESPIONAGEM

Salgado, que se radicou na capital francesa, havia se mudado para lá no início da ditadura no Brasil. Descobriu só agora, com a abertura dos arquivos do regime militar, que chegou a ser espionado pelo governo brasileiro.

"Fiquei ofendido ao saber que as pessoas sabiam tudo o que tinha dentro da minha casa", diz Salgado.

"Foi um momento difícil na minha vida, de incerteza imensa. Cheguei a pensar que nunca mais poderia voltar ao meu país", ele afirma.

Mas voltou e retratou a ascensão ao poder de Lula e lideranças da esquerda, mantendo contato com todos eles. Tanto que o ex-presidente petista até foi à estreia da última exposição de Salgado, com as imagens de seu livro "Gênesis", em Londres.

"Fotografei o Lula quando ele ainda era líder sindical", conta Salgado. "Ele é meu amigo desde aquela época."

Salgado também esteve muito próximo do poder nos Estados Unidos. No livro, conta em detalhes como testemunhou e fotografou o atentado contra o presidente Ronald Reagan, atingido por um tiro em 1981, quando saía de um hotel em Washington.

Essas imagens, que renderam uma pequena fortuna a Salgado, não são vistas até hoje. Ele evita que sejam publicadas para que não se tornem um "empecilho" para o resto de sua obra fotográfica, mas avisa que no momento certo vai autorizar que sejam publicadas mais uma vez.

Outra série comentada no livro, as imagens dos 70 anos da revolução soviética, um raro trabalho colorido do artista, também há muito não vem à tona. "Foi a última reportagem em cor que eu fiz na minha vida", conta. "Mas não tenho grande identificação com a cor, nunca gostei."

De volta ao preto e branco, Salgado está agora no Brasil para dar início a uma nova série. Ele adianta que vai à Amazônia fotografar índios.

"Vou entrar na Amazônia com eles. Quero subir o pico da Neblina com um grupo de pajés", conta. "Nossa verdadeira história é a história da cultura indígena. Estou começando a trabalhar isso."


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