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Crítica - Infantojuvenil
Denso e eletrizante, livro faz vibrante defesa da diferença
'Lua de Larvas' se destaca na febre de distopias lançadas nos últimos tempos
Em meio à febre de distopias lançadas no país nos últimos tempos, tais como "Jogos Vorazes", de Suzanne Collins, "Divergente", de Veronica Roth, ou "Trash", de Andy Mulligan --para citar apenas alguns dos melhores textos--, é publicada no Brasil agora aquela que talvez seja a mais consistente dessas obras: "Lua de Larvas", da inglesa Sally Gardner.
O livro chega até nós com um currículo já considerável. Conquistou dois importantes prêmios do exigente mercado editorial da literatura de língua inglesa --Carnegie Medal e Costa Book Awards-- e desencadeou caloroso debate na Inglaterra, por apresentar um protagonista disléxico.
Standish Treadwell, o protagonista, tem 15 anos, um nome bizarro, um olho de cada cor (um azul e um castanho) e é ele mesmo o narrador da história. Não sabe ler e escrever nem mesmo amarrar o cordão dos sapatos, abotoar direito a camisa ou dar o nó na gravata.
Se isso já seria um enorme problema para qualquer garoto ou garota de sua idade, para Standish as coisas são muito piores porque vive em uma sociedade distópica, em que vigora o totalitarismo, a corrupção e a opressão máxima dos indivíduos.
Reside na Zona 7, gueto ao qual são relegados os habitantes "impuros" da Terra Mãe e é obrigado a frequentar uma escola militaresca, em que prepondera a intolerância absoluta e a autoridade nunca pode ser questionada.
Por força do acaso, Standish e seu único grande amigo, o vizinho Hector, têm sua trajetória mesclada às ações desse Estado cruel e temível, em muito parecido com aquele criado magistralmente por George Orwell em "1984", o que acarreta consequências pesadas para os dois jovens.
E isso se dá, particularmente, porque Standish descobre uma enorme farsa que está sendo montada pelo governo de Terra Mãe e resolve desmascará-la em público.
Como Standish é o narrador, à medida que ele e seu amigo vão sofrendo as pressões do Estado violento, a história, narrada de forma oblíqua pelo enfoque peculiar do garoto disléxico, avança com um nível de tensão crescente, ganha em objetividade e mantém o leitor eletrizado até o desfecho.
A linguagem empregada, próxima à oralidade, é enxuta e expressiva, permeada por alguma ironia do narrador, expressões de duplo sentido e metáforas pouco usuais, num conjunto afinado, que confere à narrativa densidade e constrói com precisão a atmosfera kafkiana e claustrofóbica que envolve a ação e continua viva na memória, mesmo terminada a leitura.
Ao recusar o caminho fácil de uma representação verista ou documental para tratar da matéria de que se ocupa, preferindo, antes, um texto alegórico de elevado poder simbólico, a autora alcança um resultado literário de muito bom nível.
Chama a atenção que nem mesmo a dislexia do garoto é explicitada como tal no livro, o que confere à obra um caráter universal, atraente para os mais variados públicos.
A obra consegue fazer, de maneira eloquente, uma vibrante defesa da diferença, da liberdade e da fantasia, que se traduz bem numa frase de Hector ao se referir a seu corajoso e decidido amigo: "Tem os que pensam nos trilhos, e depois tem você, Standish, uma brisa no parque da imaginação".