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Mônica Bergamo

CADA UM COM A SUA CRUZ

Dono de grife e ex-deputado, Alberto Hiar, o Turco Louco, diz que cansou de ser político e lança o Manifesto #AquiJaz, com "kit protesto" na forma de cruzes, que vai espalhar pela cidade e na SP Fashion Week

"Vamos renascer das cinzas", escreveu o cantor Otto na cruz de madeira do "kit de protesto" que ganhou de Alberto Hiar, o Turco Louco, na noite da segunda-feira passada, em um restaurante japonês da Liberdade, em SP.

O músico era um dos 20 convidados do dono da Cavalera para o lançamento informal do Manifesto #AquiJaz, que vai estar também na passarela da SPFW amanhã, quando a marca apresenta a coleção Woodstock em Bali.

Por aqui, o Turco Louco tenta com a iniciativa fazer o máximo de gente acreditar que é tempo de mudanças. "Estas cruzes são uma ferramenta para que as pessoas possam se manifestar e dar sinais das angústias e medos que estão atormentando a todos nós brasileiros", explicou à repórter Eliane Trindade.

Hiar, que teve quatro mandatos --dois de vereador e dois de deputado estadual--, saiu da política partidária há sete anos. "Desisti. Cansei do discurso solitário", declarou aos parceiros reunidos à mesa, entre eles Paulo Borges, diretor da SPFW, e os cantores Jairzinho e Max de Castro.

Em vez de faixas e cartazes, os manifestantes do #AquiJaz vão se expressar em cruzes de madeira branca, distribuídas com uma caneta hidrocor. Cada um é convidado a escrever na sua o que deseja enterrar ou ver nascer.

"Gosto do simbolismo de morte e renascimento", diz Otto, que promete "carregar sua cruz" na próxima Virada Cultural. Max de Castro vai enterrar a sua na frente de um banco: "$$$$, Ganância, Revólver, Violência".

É essa a ideia. A inspiração de Hiar foram as cruzes que cruzam o seu caminho rumo à praia de São Sebastião, no litoral norte. "Sempre que passo por uma cruz na estrada fico pensando como a pessoa morreu. Foi a imprudência que tirou aquela vida e tantas outras?"

Numa de suas cruzes plantadas na praça da Sé na quarta-feira, ele pede o fim da impunidade. "O que mais me incomoda é o cara matar para roubar um celular e saber que nada acontece com ele. Tá todo mundo com medo."

O empresário não pretende mais se candidatar a cargo eletivo. "Os políticos estão mais perto da vontade dos partidos do que dos desejos da sociedade. Antes, eles tinham medo do povo e hoje nem isso. Não estão nem aí, desde que se reelejam."

Continua filiado ao PSDB por "preguiça" de encarar a burocracia de desfiliação. "É um partido cafona." Diz que o governador Geraldo Alckmin perdeu o fio da meada. "É um bom gestor, mas um político sem criatividade e sem conexão com a sociedade contemporânea." Não poupa o presidenciável da legenda. "Aécio [Neves] não tem discurso. Não sei por que veio nem pra onde vai."

E critica os petistas."O PT traiu a sociedade. Pelo mensalão e por todo o resto. Lula perdeu a oportunidade histórica de ser um estadista. Tinha poder político para fazer a grande transformação, coisa que a Dilma não tem."

Decidiu se candidatar, quando tentou fazer um show da banda Sepultura, do seu ex-sócio, o guitarrista Igor Cavalera, numa praça, mas não teve autorização. "Fui falar com um vereador. O cara deu risada: Vira vereador e faz'. Então, virei isso aí."

Na primeira eleição, só conseguiu uma suplência. "Como me chamavam de Turco Louco, todo mundo achava que era uma chacota com o Maluf." O apelido vem dos comerciais que fazia na TV: "Eu jogava a roupa pra cima e dizia: O turco ficou louco'".

Loucura só na telinha. Jura que jamais ficou doidão. "Ninguém acredita, mas nunca fumei um baseado. Nunca cheirei [cocaína]. Passei a beber vinho há dois anos. Cerveja e uísque nunca coloquei na boca." "Caretaço" e respeitado pelos amigos metaleiros, reconhece que era chato, tantas vezes, ser o único a não estar chapado.

E confessa --aos 48 anos, casado com Valéria há 30, pai de três filhos (de 28, 26 e 12) e prestes a ser avô-- estar mais propenso hoje a virar maconheiro. "Sinto mais vontade de fumar maconha agora do que no passado."

Considera-se estranho no ninho também na moda. "Cavalera é hoje a única marca de verdade, desculpe-me a arrogância", afirma ele, crítico do nariz empinado dos colegas que se alimentam do glamour fashion. "Quando se entra nessa roda-viva do sucesso, o risco é achar que agora vai desfilar em Paris. Antes, você tem que descobrir qual é o seu tamanho e talento."

Tem 25 lojas e conta com 800 pontos de venda. "Meus dois concorrentes são o cara mais rico do mundo, o [Amancio] Ortega, dono da Zara, e a CVC, que leva a galera pra comprar em Miami."

E o que explica a crise? "As grifes estão morrendo de overdose de egocentrismo. Nosso mercado está cheio de pobre star'", diz ele, sobre os "pop stars" falidos do setor, sem citar nomes. E como se define? "Se falar que sou pobre, eu tô mentido. E que sou famoso, também minto."

Já foi pobre. Nasceu nas bordas de Heliópolis, comunidade na zona sul da capital, "em uma rua paralela à estrada das Lágrimas". "O nome é por causa da árvore onde as mulheres iam chorar as mortes." A família Hiar também pranteou. "Perdi dois irmãos, um se suicidou por casa de droga e outro foi assassinado. Não tenho amigo de infância. Morreram todos."

É expoente de uma família humilde de nove filhos, entre eles um médico, um dentista e um engenheiro. "Temos o Brasil dentro de casa", resume. Começou a trabalhar aos nove anos e não chegou à universidade. "Fiz dificuldade econômica", brinca.

Talvez aí esteja a chave da sobrevivência no competitivo mercado de moda. Segue máximas do pai caixeiro-viajante: "A arte não tá na venda, tá na compra". O também diretor criativo da marca coloca o umbigo no balcão, aos sábados, quando visita as lojas.

Cada passo do "turco", que não tem nada de louco quando há dinheiro em jogo, é bem pensado. Por isso, não entrou no oba-oba de que "a visibilidade que a moda dá vai se transformar em grana".

Também não embarcou na onda de manifestações de junho do ano passado. "A indignação que fez as pessoas irem às ruas me emocionou, mas fiquei triste de ver que não deu em nada. Me incomodava ver as pessoas postando foto só para mostrar que estavam lá. E daí?"

Preferiu achar outros canais para expressar sua indignação e desenterrar a esperança: 2.000 cruzes, que começou a espalhar entre amigos e parceiros na semana passada. "Não sei no que vai dar. O manifesto não tem dono. Só tenho a certeza de que é preciso tomar uma atitude."


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