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Crítica - Romance

Livro alterna narrador para criar quadro de amarguras

LUÍS AUGUSTO FISCHER ESPECIAL PARA A FOLHA

Heliseu, protagonista do mais recente romance de Cristovão Tezza, é um professor de 70 anos que está por receber uma homenagem na faculdade em que trabalhou por décadas.

Militou numa área que, em 2013, ano em que ocorre a cena principal do livro, era já vista como anacrônica, como um ramo envelhecido e mesmo incômodo: a velha filologia, que foi substituída pela linguística nos cursos de letras.

O velho professor acorda, no dia da homenagem, cogitando em seu discurso de agradecimento, e enquanto isso repassa sua vida --a medalha que receberá, o discurso com que agradecerá, tudo isso é para ele um ponto de chegada, uma morte simbólica, que, por assim dizer, ancora toda a trajetória setentona.

A matéria de sua experiência concentra um conjunto de infelicidades que ainda doem: um pai duro e seco, a perda precoce da mãe, a frustrante experiência como interno de um seminário católico --e então o casamento com uma bancária rasa, de quem teve um filho com quem tem péssima relação, que vive nos Estados Unidos e odeia o Brasil.

Nesse quadro de amarguras, reponta uma luz especial na figura de Therèze, aluna luminosa com quem vai viver, já quarentão, um breve momento de fulguração, que conflui também em tristeza.

Em mais de um sentido, Heliseu é uma figura patética. Conservador, em seu íntimo vive um eterno inimigo das teses progressistas em política e comportamento; mas é discreto o suficiente para não causar escândalo entre colegas e conhecidos.

Sobre todas essas dimensões, o romance fez pousar ainda outra camada de tensão, conduzida com sabedoria pelo andamento do relato: sua mulher morreu em circunstâncias confusas, de que o próprio Heliseu participou.

Se precisarmos dizer, porém, qual o traço mais significativo desse novo romance de um calejado autor como Tezza, não será na trama ou nos itens realistas que vamos engatar o comentário, e sim na excelência com que a linguagem e as estruturas narrativas são concebidas e praticadas.

São várias dimensões de tempo e uma série de ramos da vida de Heliseu a conviver --tudo nítido e envolvente, mesmo incluindo o raríssimo recurso de alternar entre um narrador de terceira pessoa para as cenas do presente, as pouquíssimas horas entre acordar e sair de casa para a homenagem, o futuro próximo para o qual tudo converge, e outro narrador de primeira para todas as cenas do passado.


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