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Música

Por temor de disputas judiciais, reedições em CD saem mutiladas

Caso João Gilberto x EMI foi um dos responsáveis por maior domínio de artistas sobre relançamentos

Consultas a músicos e designers resultam com frequência em faixas extirpadas e alterações da imagem das capas

DE SÃO PAULO

Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a EMI deve ressarcir João Gilberto pela reedição, em único CD, dos três primeiros LPs do cantor -entre eles, o clássico "Chega de Saudade" (1959), pedra fundamental da bossa nova.

A ação já tramitava havia quase duas décadas e, agora, está "resolvida". Ou melhor, está mais embrulhada ainda, já que os discos não podem voltar às prateleiras das lojas.

Quando eles voltarão? "Ainda não sei como, juridicamente, isso vai ser resolvido", diz Jorge Lopes, diretor comercial da gravadora.

O caso só torna ainda mais precavidas as empresas fonográficas. Para fugir de processos, a cada reedição, as gravadoras vão em busca de novas autorizações de músicos, compositores, fotógrafos e capistas envolvidos na criação do álbum original.

E, como quem pede autorização está sujeito a receber um "não" como resposta, os discos vão sendo desmontados de sua identidade entre um relançamento e outro.

Exemplos disso são as novas capas de "Edu e Bethânia" (1966), "Jorge Ben 10 Anos Depois" (1973) e "Gal Canta Caymmi" (1976). Em reedições atuais, todos eles perderam as capas originais "por razões jurídicas".

Por que essas "questões" não atrapalharam os primeiros relançamentos?

Segundo Marcelo Fróes, responsável por reedições importantes, como as caixas de Gilberto Gil e Gal Costa, quando as gravadoras começaram a reeditar LPs em formato de CD, adaptações gráficas eram feitas sem respeitar o design ou a foto originais.

"Isso gerou descontentamento e processos, que, depois de anos, geraram indenizações absurdas e mau hábito na relação entre velhos capistas e gravadoras", diz.

Mais graves são casos em que faixas são extirpadas das reedições em CD como se não tivessem existido nos LPs.

Isso ocorre, em geral, por desentendimentos das gravadoras com os compositores ou, em caso de morte, com os familiares responsáveis por seus espólios.

É isso o que proíbe, há mais de 30 anos, que o cantor Fagner reedite as canções que escreveu sobre textos de Cecilia Meirelles (veja ao lado).

O mesmo vai acontecer nos próximos dias, quando uma caixa com álbuns de Inezita Barroso chegar às lojas.

Ficarão de fora os clássicos "Viola Quebrada", que tem letra de Mário de Andrade, e "Azulão" e "Modinha", com versos de Manoel Bandeira.

"Os representantes de Mário de Andrade queriam R$ 4 mil para liberar essa sua parceira, e isso inviabilizaria todo o projeto", diz Rodrigo Faour, outro veterano nas reedições. "Quanto a Manuel Bandeira, ficamos três meses no encalço dos herdeiros e não tivemos resposta."

Roberto Carlos também costuma desaparecer com faixas em álbuns -seus e dos outros. O caso mais emblemático é com "...E que Tudo Mais Vá pro Inferno" (1978), de Nara Leão.

Conforme ficou mais fervoroso na fé católica, Roberto passou a implicar com a canção. Até que a excomungou. Resultado: o álbum de Nara teve que ser relançado com outro título e sem a faixa.

Ney Matogrosso fez parecido na caixa "Camaleão", que traz seus primeiros álbuns.

Gravado originalmente em 1983, "...Pois É" voltou sem a canção "Calúnias" -aquela do refrão "Telma, eu não sou gay". Segundo Faour, responsável pela caixa, Ney diz ter sido obrigado pela gravadora a incluir a música. "Quando fiz o relançamento, exigiu que ela saísse."

(MARCUS PRETO)

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