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Análise
Violência molda a história sem uma gota de sangue
FABIANO MAISONNAVE DE SÃO PAULOAo transpor a Caracas de hoje para o cinema, o maior mérito de "Pelo Malo" é a opção pela sutileza na abordagem de temas recentes e de longa data da sociedade venezuelana, da grave situação político-econômica à obsessão pela aparência.
Nenhuma gota de sangue é derramada, mas a violência do país com a segunda maior taxa de homicídios do mundo (de acordo com a ONU) é o que molda a história, centrada na suspeita da mãe de que o seu filho é gay.
A família afunda na ausência do pai assassinado. A mãe quer voltar a trabalhar em segurança particular, profissão em alta no país. A violência doméstica é uma possibilidade constante, e o espaço público oculta ameaças de estupro e de outros crimes.
Como nos demais países americanos, a hierarquia racial na Venezuela é evidente. Mas o mito da miscigenação é lá ainda mais forte do que no Brasil. Na trama, a rejeição da criança ao seu "cabelo ruim" e a clara preferência da mãe pelo irmão mais novo e mais branco esboçam um monstro que, por lá, dificilmente é chamado pelo nome.
Ao "problema" do cabelo se mistura a busca pelo ideal de beleza impossível das misses, obsessão da amiga gordinha do protagonista, que sonha em ser coroada.
A questão política é ainda mais sutil. Só sabemos que o filme se passa na Venezuela de Hugo Chávez por algumas imagens de TV e murais pró-governo, que não merecem nenhuma reação dos personagens, mais preocupados em chegar ao dia seguinte do que com disputa ideológica.
Mas a precária situação econômica da família é um tapa de pelica no chavismo. Apesar de viver no 23 de Enero, bairro pobre, populoso e principal reduto pró-governo de Caracas --o corpo do "comandante" descansa ali--, a ausência do Estado na história é quase total.
A mãe não recebe nenhum benefício por estar desempregada. Sem creche, precisa da ajuda humilhante de outros para cuidar os filhos. Abre o chuveiro, não sai água.
Com tantas elipses, o único embate realmente claro é em torno da sexualidade do filho, discutida em alguns diálogos. A solução do impasse, tão autoritária quanto precária, expõe os riscos de um país onde a intolerância virou política de Estado.