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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Fraga, o pensador

O estilista Ronaldo Fraga diz que a elite é ignorante, conta que já deu conselhos a Tiririca e repete: 'A moda acabou'

Pedro Silveira/Folhapress
O estilista em sua casa, em Belo Horizonte
O estilista em sua casa, em Belo Horizonte

Ronaldo Fraga, 44, anunciou há alguns dias, na coluna, que ficaria de fora da próxima edição da São Paulo Fashion Week, em janeiro. É a primeira pausa do estilista em 17 anos da semana de moda paulistana, quando esta ainda se chamava Phytoervas Fashion. Ele alegou cansaço e necessidade de pensar em novos suportes para apresentar suas roupas. E afirmou: "A moda, pelo menos como a conhecemos, acabou".

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A declaração causou alvoroço no meio e fez com que muitos achassem que ele estava abandonando o ofício. "Foi a exposição da minha verdade. Não sou dono da verdade de um determinado setor. Apenas expus as minhas angústias", diz ele à repórter Lígia Mesquita.

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O mineiro diz acreditar na necessidade de novas funções para a moda. "Não sei a resposta, mas tô aqui pra exercitar. No mínimo, tenho minha liberdade de escolha." A resposta, diz, pode estar no trabalho da bailarina Pina Bausch, morta em 2009. E tema de uma de suas coleções. "A gente saía do espetáculo dela sem saber se era dança, cinema, teatro, literatura...Com a moda pode ser assim: roupa pra comer, casa pra vestir, comida pra morar."

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Ele conta que escolheu a profissão por causa da possibilidade de "através do vestir me apropriar da minha cultura". Mas não acha que as pessoas precisem levantar a bandeira para a cultura brasileira na moda. "O que não pode ter é uma relação estreita com a cultura. A moda é um vetor de interpretação histórico, econômico e antropológico."

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Para ele, quem faz roupa hoje não pode ignorar que o mundo mudou, as novidades chegam rápido por aqui. "Tem gente que via a coleção ser lançada na Europa, fotografava a vitrine da loja. Comprava a roupa pra tirar molde e produzia a peça. Aí outra marca copiava. Hoje você assiste à novela e na mesma cena vê a personagem rica e a pobre usando modelos de visco lycra. Visualmente é a mesma xaropada. Aí pergunto: a moda não mudou?"

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O estilista, que sempre foi apaixonado por desenho, tinha 16 anos quando viu em um ponto de ônibus de Belo Horizonte uma vizinha com a pasta de um curso de desenho de moda do Senac. Decidiu se matricular. Ao final dos estudos, ganhou um emprego em uma loja de tecidos no centro da capital mineira.

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"No primeiro dia, quando a loja abriu, tinha uma fila de mulheres querendo roupa pra festas. Fiquei em pânico. Sabia desenhar, mas não tinha vocabulário de moda", lembra. "Aprendi que a escolha da roupa é pra sempre uma conquista amorosa com você, com seu grupo."

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Na sequência, fez faculdade de estilismo na Universidade Federal de MG. Formado, ganhou num concurso uma bolsa de estudos em Nova York. Aos 23, o jovem que foi criado pelos irmãos mais velhos-tinha 7 anos quando perdeu a mãe e, quatro anos depois, o pai, vítimas de câncer -saiu do país pela primeira vez. De NY, emendou temporada em Londres. Vendia chapéus na feira de Camden.

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Na volta ao Brasil, lançou a grife com seu nome em 1996, ao estrear nas passarelas do Phytoervas Fashion. A primeira coleção, "Eu Amo Coração de Galinha", era a história "de uma galinha que ia para a cidade grande em busca da pessoa interessante que queria ser".

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Fraga criou roupas inspiradas no rio São Francisco e nas obras de Arthur Bispo do Rosário, Guimarães Rosa, Zuzu Angel, Lupicínio Rodrigues, Nara Leão, Noel Rosa e Athos Bulcão, entre outros. Também falou sobre a China, focando a questão das condições de trabalho naquele país -colocou na passarela chineses vestidos de operários comendo macarrão.

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Suas apresentações sempre renderam questionamento se o que ele fazia era moda ou teatro. "O espetáculo faz parte da moda. Roupas as pessoas veem nas lojas. Na passarela, tenho oito minutos para transportar a audiência para o universo da minha pesquisa", diz.

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O mineiro é um dos poucos estilistas que não vendeu sua marca. "Produzir no Brasil hoje é um mau negócio. Estamos falando de um setor pouco articulado, que vende a história de que tá tudo muito bem. O que eu invisto na minha marca vem do meu trabalho", diz. "E não dá pra colocar [na coleção] a blusa listrada da Prada, porque vende no fast fashion. Nem usar o amarelo numa cartela de cores para minhas peças entrarem numa relação de tendências nas revistas."

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A escolha por um trabalho autoral, diz, lhe rende críticas. "Para os que gostam e detestam [meu trabalho], a definição é que se trata de algo teatral ou regional."

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E, para o estilista, o regional, no Brasil, assim como o artesanato, carrega a pecha de "coisa de pobre". "Entender a sofisticação de uma renda renascença ou de um bordado rendendê demanda cultura, entendimento do quanto da ancestralidade de seu povo não pode morrer. Mas, no Brasil, quando você vê que não pode ter uma elite pior, vem uma mais ignorante. E essa elite é a que consome, que faz o movimento da moda dar dinheiro."

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A moda brasileira, acredita, tem tudo para ocupar um lugar de mais autonomia. "Temos algo valioso, a mestiçagem. Mas ser mestiço no Brasil é quase pecado. É pior que ser negro. Mestiço é cara de pobre. Eu sou mestiço."

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Mestiço como o palhaço e deputado federal Tiririca (PR-SP), que pediu conselhos de estilo a Fraga em Brasília. O estilista é membro do Conselho Nacional de Política Cultural e frequenta o Planalto. "Ele queria saber o que vestir. Falei pra prestar atenção no estilo do Jorge Amado, de Graciliano Ramos, que tiveram cargos políticos e usavam calças de linho de cintura alta. Aí, ele falou pra assessora: 'Você anotou o nome desse povo aí?'."

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"Não tem Armani que salve uma figura. Sou pela Vivienne Westood [estilista inglesa] que diz que a roupa sempre fica bonita no corpo de quem é ético."

"No Brasil, quando você vê que não pode ter uma elite pior, vem uma mais ignorante"

"É quase um pecado ser mestiço. É pior que ser negro"

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