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Peneira para músicos

De rejeição em rejeição, jovens que querem ser músicos têm rotina dolorosa

RICARDO MIOTO
EDITOR-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA”

Funciona como as "peneiras" dos times de futebol: adolescentes sofrem para demonstrar mais talento do que os concorrentes nos poucos minutos que terão para se apresentar aos "jurados".

A diferença é que, em vez de chuteiras, Gabriel Takano Lui, 15, chega carregando um contrabaixo maior do que ele.

Com pais músicos, ele toca desde os seis anos, treina oito horas por dia e já fez mais de dez audições. Em uma delas, entrou para a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo.

Há duas semanas, ele participou de uma banca para pleitear uma bolsa de estudos na Alemanha. "No exterior é mais seguro. Aqui no Brasil vivem dizendo que as orquestras vão acabar..."

O resultado sai apenas em março. No ano passado, nenhum instrumentista brasileiro foi selecionado.

A peregrinação de jovens como Gabriel, de audição em audição, virou até tema de documentário. "Prova de Artista" foi lançado no fim de novembro pelo diretor José Joffily, 66.

"Quando comecei a filmar, a ideia nem era fechar o foco nas audições. Mas então vi como elas são tensas. A audição é, de certa forma, como um matadouro: o jovem indo em direção ao abate, sabendo que, de cada dez candidatos, somente um será selecionado, se for", diz ele.

"Esses músicos são todos muito nômades, ficam pesquisando na internet em qual canto do mundo vai ter uma audição e vão tentando."

Foi exatamente o caso da canadense Yuri Sinto-Girouard, 26, que toca viola. Aos 23, ela veio ao Brasil tentar uma vaga na Osesp (a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a principal do país).

"Fui recusada. Eu não tinha maturidade suficiente. Faz parte." Não foi o fim do mundo: hoje, ela está na Academia da Filarmônica de Berlim, uma das principais orquestras do mundo.

O feito dela é digno de nota. Sabine Lovatelli, presidente do Mozarteum Brasileiro, organização que promove espetáculos e trás grandes músicos estrangeiros para dar aulas a brasileiros, fez as contas. Ela estima que de cada mil jovens que participam dessas aulas, apenas um será selecionado para estudar em uma grande orquestra como a de Berlim.

"As audições são bem cruéis. Nem todo mundo está preparado para abrir o coração e tocar na frente de gente que nunca viu. Pode ser injusto, pode pegar o jovem em um dia ruim..."

Ainda assim, as audições permitem que jovens músicos de famílias pouco abastadas tenham oportunidade de viver melhor do que seus pais.

Foi uma audição que levou Wellington Rebouças Guimarães a entrar na Orquestra Experimental de Repertório. Aos 20 anos, ele recebe cerca de R$ 2 mil por mês para tocar violino. "Ganho mais do que meu pai, que é segurança", diz. Antes, foi também através de uma seleção que ele pôde estudar na Escola de Música do Estado de São Paulo, que é gratuita.

É o caminho que Lucas Bernardo, 16, também quer trilhar. Filho de caminhoneiro, ele começou a tocar violino na igreja aos nove anos. Agora, também tenta uma bolsa de música clássica na Alemanha.

Os amigos admiram o esforço, mas têm gostos um pouco diferentes. "Lá na Penha [zona leste], onde eu moro, o pessoal gosta mais mesmo é de tocar punk rock", ri.

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