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'Nova geração brasileira não quer só atuar', diz Selton

Com "O Palhaço", seu segundo longa como diretor, ator aponta novo caminho para o cinema nacional

Com 30 anos de carreira como ator, cineasta mineiro se diz que hoje tem mais vontade de dirigir do que de atuar

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Selton Mello, 38, batia um papo com Renata Sorrah, 64. Ele se lamentava por fazer pouco teatro. E recebeu um pito na hora. "Não sinta culpa por isso. Você tem o cinema para se expressar, coisa que a minha geração não teve", disse a atriz.

E assim foi. Selton se afastou das novelas e passou a última década dedicado ao cinema. Na frente e atrás das câmeras.

Segundo longa dele como diretor, "O Palhaço" já levou 1,4 milhão de espectadores ao cinema. Um blockbuster "estranho no ninho", para Selton, e sobretudo bússola para um novo tipo de cinema brasileiro: aquele que consegue ser autoral e popular numa só tacada.

Selton conversou com a Folha em sua casa na Gávea, no Rio, sobre fazer parte de uma geração "muito a fim de ter sua voz".

"O Palhaço" está entre os sete filmes que superaram um milhão de espectadores em 2011, junto com títulos mais comerciais, como "Cilada.com". Chegou a pensar naquela máxima sobre não querer entrar para um clube que o aceite como sócio?
Acho que "O Palhaço" é um estranho no ninho. E aponta uma nova possibilidade. A gente estava fazendo filmes que tinham milhões de espectadores, mas que não levavam à reflexão. E filmes bastante radicais, autorais, mas muito pouco vistos. Eu tentei o meio do caminho.

O filme entrou em leis de incentivo fiscal, certo?
Rouanet e Audiovisual.

É possível fazer cinema no Brasil sem elas?
Bem difícil.

Você acha que filmes feitos com dinheiro público têm que ter retorno de público?
Dizer que filmes menores não deveriam nem ser feitos? Acho "over".
Qual a bilheteria de "Bandido da Luz Vermelha"? Estou hoje falando com o maior entusiasmo de um filme feito em 1968.
Tem obra que faz cinco milhões de espectadores, mas que daqui a dois meses ninguém lembra.

Seria fácil fazer "O Palhaço" sem Selton Mello?
Não sei dizer.

Mas seu nome deve facilitar.
Facilita. Eu tenho 30 anos de profissão. [O cineasta novato] não tem as mesmas chances, mas isso é natural. Eu também já quis fazer coisas que não consegui.

O pessoal costura esta geração 00: você, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Rodrigo Santoro e Cauã Reymond. Qual é a marca de vocês?
Esses nomes são os mais recorrentes, mas também tem João Miguel e Matheus Nachtergaele.
Essa geração teve o cinema para se expressar. O maior diferencial é esse.
Há um tempo, encontrei com a Renata Sorrah, que sempre produz teatro. Falei: "Pois é, Renata, tenho feito tão pouco teatro". E ela: "Não sinta culpa por isso. Você tem o cinema para se expressar, coisa que a minha geração não teve. Eu e [Marcos] Nanini, com a sua idade, tínhamos TV e teatro. Ponto".

"O Palhaço" é sobre um cara redescobrindo a paixão pelo que ele fazia. Sua última novela é de 1999. Você se vê voltando para a TV?
O que sempre pega é a duração. Uma das coisas que me atrai no cinema é justamente a coisa mais dinâmica. Num ano, você faz três filmes.
Mas estimulante mesmo, no momento, é dirigir. Talvez eu comece a atuar menos e dirigir mais.

Você só fez dois filmes. De "Feliz Natal" para "O Palhaço", o que aprendeu?
Você fica mais livre das referências. Elas podem ser boas, mas também podem te assoberbar.

O que o assoberbou em "Feliz Natal"?
John Cassavetes. Eu identifico claramente que era um filme de um cara muito fã dele. "O Palhaço", não. Esse já tem uma cara.
Quando me perguntavam se estão lá Fellini e Chaplin, eu falava: Didi Mocó.
Tenho 38 anos, minha infância era ir ao cinema para ver filme dos Trapalhões, que tinha um humor ingênuo.

Vê alguém no futuro assoberbado por Selton Mello?
Não tenho ideia. Tudo é mais fácil de enxergar em perspectiva. Mesmo essa coisa da nossa geração. Acho que daqui a 20 anos vai ficar clara a importância dela.
Wagner faz teatro. Santoro filma muito lá fora. Matheus também já dirigiu. Lázaro está começando a dirigir. João Miguel quer. Cauã vai produzir um filme ["Azuis"].
É uma geração muito a fim de ter a sua voz. Não basta atuar, ela não está aguentando apenas atuar.

Ninguém no Brasil entra no cinema pensando em ganhar dinheiro.
Se quisesse ganhar dinheiro, eu estaria na televisão. Tem a publicidade... Mas meu maior sustento hoje é que eu sou formiga. Me preparei para esse momento aqui.

Você seguiria os passos do Rodrigo e tentaria Hollywood?
Acho muito louvável o que o Rodrigo fez. Ele foi cavando o espaço lá fora na moral. Ficava meses fazendo 200 testes para pegar um. Eu não tenho a menor disponibilidade emocional para isso. Tem que acontecer naturalmente, como foi com o Wagner Moura.

Já rolou algum convite?
Alguns. Tipo "Velozes e Furiosos", coisas com as quais não tenho a menor afinidade. Vou fazer "Soundtrack", um filme dirigido pela mesma dupla brasileira do curta em que atuei com Seu Jorge, "Tarantino's Mind". Um filme todo em inglês.

Qual o critério para topar um papel?
Como ator, são critérios tão loucos...

Falando especificamente dos que estão por vir agora [2012].
"Reis e Ratos", o Mauro [Lima] fez com as sobras do cenário e do figurino de "O Bem Amado". A gente fez um filme em 17 dias. Foi essa a viagem de "Reis e Ratos", um filme maluco com temática bem engenhosa.
"Billi Pig" foi ótimo. O [José Eduardo] Belmonte tem uma característica que é gostar muito de improviso.

Como foi contracenar com a ex-BBB Grazi em "Billi Pig"?
Ela é uma mulher que tem consciência de suas limitações. Isso já é uma grande coisa a seu favor. Está aprendendo, sabe que tem que crescer, e ela quer crescer. Acho que [Grazi] vai surpreender nesse filme, está muito bem.

Já tem um projeto novo em mente?
Estou trabalhando em coisas minhas e lendo várias outras para decidir qual pode ser o próximo passo.

Você é quase quarentão. E aí?
Envelhecer é bom. É Nelson Rodrigues: "Jovens, envelheçam". Você vai ficando mais cascudo.

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