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Crítica contos

Obra retrata EUA como playground perverso

Toni Marques reaviva libertinagem de Miller e Bataille ao narrar armadilhas de imigrantes brasileiros no país

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nas quatro narrativas de "O Beijo Infame", os Estados Unidos surgem como um parque de diversões perverso. Sua fachada é luminosa e vibrante, mas apenas os brinquedos mais ferinos ainda funcionam.

Nesse parque, sexo é dinheiro, e o ingresso, às vezes, sai caro.

As histórias de Toni Marques -ex-correspondente do jornal "O Globo" em Nova York- jogam luz nas armadilhas que a volúpia e a ambição costumam espalhar ao redor de imigrantes brasileiros.

No primeiro conto do livro, um pintor de paredes navega em sites de sexo à procura de "uma gringa carente e rica, muito a fim de dar dinheiro ao amante".

Sua rotina é sem graça. Ele não domina o inglês e mora com outros dez imigrantes, todos ilegais. Parte do dinheiro que recebe envia para a mulher no Brasil. Uma vidinha besta.

Sorte que os sites de sexo acenam com novas experiências: fantasia de estupro, brincadeira com arma, amarração japonesa, servidão forçada etc.

O protagonista da segunda história é financeiramente mais bem-sucedido: um micro-empresário da construção civil, casado, há dez anos nos Estados Unidos.

Mas o sucesso na América não afastou o tédio do papai-mamãe costumeiro. Para apimentar o casamento, ele leva para casa uma porto-riquenha gótica e safada.

SADOMASOQUIMSO

A narrativa seguinte -a menos interessante do conjunto-, traz um banqueiro de meia-idade envolvido com "uma mulher que professava a bruxaria, na tradição Wiccan". A bruxa new wave tem uma filha de dez anos.

Esse conto talvez rendesse mais se a menina, geniazinha excêntrica, tivesse mais páginas para se desenvolver.

"O Beijo Infame" termina com a história da ex-miss Beleza Mineira, agora só mais uma prostituta perdida na cidade de Nova Jersey.

Seu plano é conseguir o "green card" casando-se, quem sabe, com um comerciante, "que ela é boa de comércio".

Até o dia em que encontra "um milagre da natureza": um policial sadomasoquista com um detalhe anatômico bastante raro.

Juntando imigração e perversão, Toni Marques persegue a economia erótica do mal, sobre a qual falava Georges Bataille.

É certo que a sagração do erotismo e da pornografia é sempre mais intensa em épocas de censura cerrada.

Quando foram lançados, os livros proibidos de Bataille e Henry Miller produziram um efeito único, que ninguém, hoje, está em condições de experimentar. Porém, em seu novo livro, Toni Marques consegue reavivar aquela libertinagem gostosa.

Mesmo em tempos de liberdade, sua pior inimiga.

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O beijo infame

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