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Crítica - Poesia

Ambiguidade entre sacanagem e religião caracteriza coletânea

'Quermesse' reúne poemas pornográficos escritos pelo cineasta Sylvio Back em quase 30 anos, com 55 inéditos

É POESIA LICENCIOSA, QUE ROMPE O DECORO DA PRÓPRIA POESIA E LANÇA MÃO DE BAIXO CALÃO, TABUS E CENAS OBSCENAS

RODRIGO GARCIA LOPES ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde seu primeiro livro, em 1986, o cineasta catarinense Sylvio Back vem se dedicando, ao lado de Glauco Mattoso, a fazer recircular a poesia pornográfica entre nós. Toda a sua poesia até aqui, incluindo os 55 textos inéditos que abrem o livro, é agora reunida em "Quermesse", publicado pela Topbooks.

Em nossa língua, o gênero remonta às cantigas de escárnio e maldizer dos trovadores galego-portugueses e tem em Gregório de Matos nosso cultor mais famoso. É poesia licenciosa, que rompe o decoro da própria poesia e lança mão de baixo calão, temas-tabu e cenas obscenas.

O cinema, como não poderia deixar de ser, é presença constante na coletânea. Ele aparece seja através de referência a termos técnicos ("takes", "plongée"), a cineastas e atrizes (Monica Bellucci, Sharon Stone), mas, sobretudo, no modo de decupagem, com os cortes dos versos sendo análogos aos do cinema.

É o que ocorre de modo explícito em alguns dos melhores poemas do livro, como em "Efeitos Especiais", "CAMERA" e "Cine Privé".

Neste último, o leitor é como que lançado no meio de uma gravação de um filme pornô, com direito a legendas em inglês e terminando com as ordens de um diretor: "Mike, ilumina a língua! / Steve, zoom na porra! / Back, corta pro gozo!".

CHOQUE

Há o gosto por palavras em outras línguas e muitas montagens. Quanto mais surpreendente o choque de substantivos, melhor o resultado poético: "pica kamikaze", "vulva Sésamo", "boceta cadáver".

Mais que a rima, a grande característica dos poemas pornográficos de Back é o uso massivo da anáfora e da epífora, a repetição de uma mesma palavra ou palavras no começo ou no fim de linhas sucessivas.

Se, por um lado, o abuso dos recursos pode resultar, na leitura de "Quermesse", algo enfadonho, parecendo mais maneirismos poéticos do autor, por outro remetem à característica repetitiva e mecânica do ato sexual.

Ou, na fórmula backiana: "cu caralho boceta = sacro antídoto ao tédio".

Ironicamente, a anáfora e a epífora são recursos muito usados na poesia devocional e religiosa, com a reiteração remetendo à experiência do êxtase.

Poemas como "Gozatório" e "Altar" tematizam exatamente essa ambiguidade sacana-religiosa.

Com estes recursos o poeta-voyeur parece querer incorporar, na carne dos poemas, o "pornotempo" de que fala o poeta mexicano Heriberto Yépez: o truque de edição usado em filmes pornô para aumentar a duração das cenas de sexo e passar uma sequencialidade inverossímil.


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