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Crítica Romance

Stephen King cede às falsas premissas do culto a Kennedy

ROSS DOUTHAT
DO “NEW YORK TIMES”

O culto a John F. Kennedy é tão resistente como um vilão de filmes de terror. Ele sempre revive: em um especial de TV, uma reportagem ou um livro de capa dura.

É apropriado, portanto, que a exumação mais recente nos chegue pelas mãos de Stephen King, mestre do horror e bardo do "baby boom". A fantasia diáfana da Casa Branca de Kennedy perdura porque o assassinato de JFK ainda é sentido como uma erupção inexplicável do mal, como um bicho-papão.

Em seus melhores momentos, o novo livro de King sobre o assassinato de Kennedy, "11/22/63", faz uma crítica implícita a essa obsessão.

Seu protagonista volta no tempo para mudar os acontecimentos daquele dia de novembro; ainda assim, porém, não consegue libertar os EUA dos anos 1960 das cruéis armadilhas da história.

A força narrativa do livro, contudo, depende de premissas falsas do culto a Kennedy, que merecem ser contestadas sempre que possível.

A primeira premissa é a de que JFK foi um presidente muito bom e poderia ter sido um grande presidente, se tivesse sobrevivido. Poucos historiadores sérios adotam essa visão. Mas não há como negar o domínio do mito sobre a imaginação popular.

A segunda é que ele nos teria poupado do Vietnã.

Ou, como diz um personagem em "11/22/63", a favor de matar Lee Harvey Oswald: "Livre-se desse desgraçado, e você poderá salvar milhões de vidas". Na realidade, o discurso de JFK forjou o contexto retórico da guerra como o de Bush no caso do Iraque.

E os arquitetos da guerra foram todos gente de Kennedy. Não foi a bala fatal de Lee Harvey Oswald que enviou tantos americanos para a morte na Indochina.

O terceiro mito é aquele segundo o qual Kennedy foi mártir da insensatez da direita, e o próprio Stephen King, em "11/22/63", cede a ele.

Este último exemplo sugere a razão da importância do culto a JFK: porque seus mitos ainda moldam nossa interpretação da política.

Confundimos carisma com competência, retórica com resultados, celebridade com realizações genuínas.

Encontramos bodes expiatórios convenientes para tragédias nacionais e deixamos que nossos ícones pessoais se livrem da culpa.

E imaginamos que os piores males possam ser atribuídos exclusivamente a demônios do submundo, ao invés dos desvarios que muitas vezes decorrem de belas palavras e ideais elevados.

11/22/63

AUTOR Stephen King

EDITORA Scribner

QUANTO US$ 35 (cerca de R$ 65, na livraria virtual www.amazon.com; 849 págs.)

Tradução de CLARA ALLAIN

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