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Crítica Romances

Trilogia atesta trânsito fluente de Hermann Broch entre gêneros

'Os Sonâmbulos' narra saga de dois homens aturdidos pelas mudanças sociais em 30 anos de história alemã

ALCIR PÉCORA
especial para a folha

Como augúrio bom, reservo este último dia de 2011 para comentar o que foi o maior acontecimento literário do ano, no Brasil: o lançamento da trilogia "Os Sonâmbulos" (1931-2), obra de estreia de Hermann Broch (1886 -1951).

Um verdadeiro presente de Marcelo Backes, que fez a tradução, o glossário e os posfácios dos três volumes.

Broch era judeu, convertido ao catolicismo. Chegou a ser mandado à prisão pelos nazistas; conseguiu escapar e imigrou para os Estados Unidos, onde recebeu a cátedra de alemão, em Yale.

Conhecido como romancista, também foi poeta, contista, dramaturgo, ensaísta e crítico de primeira grandeza, como mostram seus estudos sobre Joyce e Hofmannsthal.

Para perceber seu talento para todos esses gêneros, basta ler o terceiro volume da trilogia, cujos capítulos em forma de versos, de diálogo dramático, de digressões filosóficas, sentenças e máximas concorrem maravilhosamente para a complexidade da narrativa.

Os três volumes se passam num intervalo de 30 anos da história alemã, de 1888 a 1918, durante o governo de Guilherme 2º, no qual Broch localiza o processo de desagregação dos valores que permitiu a irrupção da irracionalidade escancarada posteriormente na ascensão do nazismo e na aceitação coletiva de um guia, o Führer.

Cada um dos volumes se passa em torno de uma personagem central. No primeiro, trata-se do aristocrata Joachim von Pasenow.

Aturdido pelos novos tempos das máquinas e indústrias, apega-se ao uniforme militar e ao idealismo cristão como tentativa de superá-los.

Não sem antes se deixar perturbar pela beleza de uma jovem prostituta e pelo espírito livre de um ex-colega de farda, Bertrand, que se torna um importante empresário.

No segundo, o foco recai sobre Esch, um contador demitido ao descobrir uma fraude. Também ele está confuso diante da corrupção industrial e das novas formas de organização sindical, que lhe parecem um tanto imorais e desordenadas.

Tateando no tumulto, atribui a raiz de todos os males a Bertrand, o dono da nova empresa a contratá-lo.

O terceiro romance traz de volta à cena Esch e Pasenow, que se reconhecem como espíritos irmãos, nostalgicamente em busca de um centro único ordenador da vida espiritual.

Em vez de encontrá-lo, assistem impotentes à ascensão de Huguenau, desertor, comerciante inescrupuloso, que se torna uma imagem viva do homem do novo mundo.

O final é, pois, de puro horror. A alternativa do modernismo ilustrado, entrevista em Bertrand, já se mostrara impossível, pois ele é presa de afetos e contradições que sua civilidade não consegue pacificar.

Huguenau, entretanto, é uma face do horror que mal podem conceber: uma estupidez invencível, que dispensa definitivamente as artes e a vida do espírito.

Uma amoralidade incapaz de se reconhecer, mas perfeitamente apta a tomar o lado mais mesquinho, cruel e abjeto, em todas as ocasiões.

OS SONÂMBULOS (TRÊS VOLUMES)

AUTOR Hermann Broch

EDITORA Benvirá

TRADUÇÃO Marcelo Backes

QUANTO 1º (R$ 39,90/276 págs.); 2º (R$ 39,90/320 págs.); 3º (R$ 49,90/504 págs.)

AVALIAÇÃO ótimo

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp

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