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Flip 2014

Campeões de público

Bons oradores, João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna, mortos neste mês, conquistaram momentos memoráveis na Flip

MARCO RODRIGO ALMEIDA DE SÃO PAULO

Em menos de uma semana, a literatura brasileira perdeu não apenas dois grandes escritores, mas dois oradores de mão cheia.

Ouvir João Ubaldo Ribeiro (morto no dia 18/7) e Ariano Suassuna (23/7) era tão prazeiroso quanto ler seus textos. A musicalidade barroca do vozeirão de Ubaldo, impossível de esquecer, era um dos pontos altos das feiras que o escritor participava.

Suassuna, a partir dos 1990, passou a rodar o país com suas "aulas-espetáculos", misto de palestra, concerto e balé em que exibia com graça picaresca a cultura brasileira.

Ambos foram responsáveis por momentos marcantes na história da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que vai até domingo (3).

Em 2005, o escritor angloindiano Salman Rushdie era o convidado mais aguardado do festival, mas foi Suassuna quem acabou roubando a cena.

Na ocasião celebravam-se os 400 anos de publicação de "Dom Quixote" e Suassuna fez uma defesa apaixonada da obra-prima de Miguel de Cervantes. Chorou ao comprar o cavaleiro da triste figura ao brasileiríssimo Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto.

"A tenda estava lotada para vê-lo. Ele foi muito aplaudido no final", conta Alexandre Nóbrega, genro e assessor do autor.

"Lembro que ficou mais de duas horas autografando livros depois do debate, a fila não andava. Ela conversava com os leitores, tirava foto, se a imagem não ficasse boa ele tirava novamente. Teve que parar de autografar porque teve uma enxaqueca. Mas a fila estava enorme ainda."

QUERELA

Suassuna protagonizou ainda uma das querelas do festival ao criticar dois de seus colegas na Flip: o historiador Evaldo Cabral de Mello e o escritor Alberto Mussa.

Tudo por conta do amor ilimitado que o autor de o "Auto da Compadecida" nutria por Miguel de Cervantes, a seu ver o autor mais importante do milênio

Cabral de Mello recebeu farpas por ter afirmado em entrevista que a única figura da literatura brasileira que se aproximou de Quixote foi o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, de "Fogo Morto", de José Lins do Rego.

"É uma grande injustiça com Lima Barreto e O Triste Fim de Policarpo Quaresma', que foi o Quixote brasileiro. E também com o Rubião de "Quincas Borba" de Machado de Assis", reclamou.

Já Mussa enfureceu o escritor ao dizer que Quixote é egoísta. "O maior personagem de Shakespeare é Hamlet, este sim um individualista. Quixote é quem parte para consertar o que está errado no mundo", contestou Suassuna.

"Posso ter errado na expressão, mas minha ideia era dizer que Quixote não tem essa pureza de espírito. É um personagem caricato, ridículo, nostálgico com a perda dos valores da nobreza", conta hoje Mussa.

"Mas não fiquei abatido com a crítica, acho que faz parte do folclore das aulas-espetáculos' dele. Sempre achei o Suassuna um grande escritor, uma grande figura da cultura brasileira."

TAPAS E BEIJOS

A relação de João Ubaldo Ribeiro com a Flip também teve seus percalços. O escritor era um dos convidados da segunda edição do festival, em julho 2004, mas desistiu quase um mês antes.

Em nota à imprensa, disse que a festa era "uma realização voltada para autores da Companhia das Letras" (Ubaldo era então editado pela Nova Fronteira) e que considerava-se desprestigiado diante de outros convidados.

Em 2011, relembrou o tema em entrevista à Folha. "Tive a desinteligência de reparar que meu nome era raramente divulgado entre os convidados, aí eu decidi não ir. No release aparecia fulano, fulano, fulano e outros'. Esse outros' era eu. Aí eu disse: outros o caralho'! De qualquer forma, não foi briga."

Naquele mesmo ano, João Ubaldo enfim estreou na Flip, em palestra com mediação do o escritor Rodrigo Lacerda.

O também escritor Ignácio de Loyola Brandão estava na plateia. Lembra que Ubaldo subiu ao palco meio amuado, "não parecia bem".

Bastaram uns cinco minutos para que uma transformação ocorresse.

"Ele virou outra pessoa, dominou os debates. Com aquele vozeirão dele, as pessoas ficavam hipnotizadas. Tinha domínio completo do palco. Foi uma das grandes conversas da Flip", diz.

Ubaldo provocou seguidas gargalhadas na plateia da Tenda do Autores com tiradas espirituosas e mordazes.

Ao comentar que muitas vezes a literatura nasce por encomenda, disse que "cheque gera inspiração".

Em outro momento, revelou descrença no futuro do homem. "Somos uma especiezinha muito criticável. Todos nós somos uma contradição imensa. Nossa ruindade animalesca prevalece."

BASEADO

No ano seguinte (2012), já em clima de completa lua de mel, voltou à Flip, desta vez na programação paralela, para homenagear o centenário de Jorge Amado (1912-2001), de quem foi amigo.

Foi o centro das atenções de uma mesa compartilhada com os escritores Walcyr Carrasco e Edney Silvestre e levou o público ao delírio com suas histórias saborosas.

Certa vez, contou, o cineasta Glauber Rocha (1939-1981) quis oferecer um baseado (cigarro de maconha) a Amado. "Aplica no velho", disse o diretor a Ubaldo.

"Não tive coragem", explicou o escritor, sob aplausos da plateia.


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