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Crítica - Ensaios
'Teatro' é obra de um David Mamet decadente e rancoroso
DECLARAÇÕES PEREMPTÓRIAS, RAIVOSAS, TOMAM O LUGAR DA IRONIA E DA LEVEZA DE UM LIVRO ANTERIOR QUE, EMBORA COM ESTRUTURA E ALGUNS TEMAS SEMELHANTES, SOA AGORA QUASE COMO OBRA DE OUTRO AUTOR
NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO"Teatro", lançado há quatro anos nos EUA e recém-publicado no Brasil, tem pelo menos um capítulo verdadeiramente provocativo, do total de 26 --em sua grande maioria exaustivamente superficiais e repetitivos.
É o terceiro, em que David Mamet compara a experiência do espectador de teatro àquela da perseguição instintiva, primitiva, empreendida por um caçador.
Ele parte dessa imagem original para extrapolações, algumas mais imaginativas que outras.
O leitor se anima com o que se prenuncia um livro instigante, mas a sensação é passageira.
Logo se impõe a cantilena de ataques enfáticos --sem apresentar argumentos-- a Constantin Stanislavski (1863-1938), diretor russo que criou um método de preparação de atores para a interpretação.
De Stanislavski, Mamet parte aos ataques aos diretores em geral, às teorias europeias de teatro, às feministas, aos "liberais" de alto a baixo.
Declarações peremptórias, raivosas, tomam o lugar da ironia e da leveza de um livro anterior que, embora com estrutura e alguns temas semelhantes, soa agora quase como obra de outro autor, "Writing in Restaurants" (1987, Penguin).
A exemplo dos dramaturgos Tennessee Williams (1911-1983) ou Arthur Miller (1915-2005), Mamet, aos 66, enfrenta o que muitos já descrevem como decadência de seus enredos e antes lendários diálogos, cada vez mais retóricos, amontoando fracassos na Broadway.
Enquanto sua escrita definhava, Mamet, a exemplo do que acontece no Brasil, inclusive no teatro, se deixava levar pelo crescente radicalismo discursivo na política --e o maniqueísmo, já presente em várias peças, se acentuou.
Perdem-se hoje no tempo peças de referência como "Glengarry Glen Ross" (1983), talvez sua obra-prima e que o fez herdeiro não só dos americanos Williams e Miller, mas sobretudo da linguagem do inglês Harold Pinter.
De "Writing in Restaurants" para este "Teatro", a impressão de decadência é a mesma com seus textos, digamos, teóricos: de estimulantes e até engraçados, passaram a rancorosos e, principalmente, gratuitos.