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O Mágico de Oz, 75

Filme sobre saga da menina Dorothy por terra psicodélica faz aniversário na segunda

BARBARA GANCIA COLUNISTA DA FOLHA

No Kansas, há relatos extraordinários sobre tornados. Sabe-se de um que carregou uma escola com 85 alunos pelos ares, causando a desintegração total da estrutura sem resultar numa só morte.

Mas nenhum "twister", como são chamados esses fenômenos típicos do Meio-Oeste norte-americano, rendeu uma história tão instigante quanto a que envolveu a garota Dorothy e seu cãozinho.

Colhida por um redemoinho na fazenda em que vivia no Kansas, Dorothy Gale (o sobrenome significa "vento forte" em inglês) sofre um golpe na cabeça e, ao recobrar os sentidos, descobre que foi parar, com seu fiel mascote Toto, na estranha e psicodélica terra de Oz.

Daí para a frente, a sucessão de experiências vividas pela duplinha observa um padrão familiar que transcende tempo e diferenças culturais e pode ser encontrado em inúmeras sagas, sagradas ou não.

O especialista em mitologia e religião Joseph Campbell esmiuçou a narrativa do mito do herói e mostrou como ele se aplica a todas as histórias que nos falam ao coração, de Cristo a Sidarta, passando por Harry Potter, Goku, Neo, Luke Skywalker ou, no caso, Dorothy.

E cá estamos nós, 75 anos depois da estreia do filme "O Mágico de Oz" --realizada em 25 de agosto de 1939 nos EUA--, celebrando o filme sobre a menina que debelou o bem e o mal, a descoberta e a tentação, na busca pelo caminho de volta para casa.

Quero ver se daqui a 75 anos vamos comemorar bodas de "Cats" e "Evita" ou ainda haverá reprises de "Glee" por aí.

Desconsidere o que estou dizendo caso não reconheça a frase: "Acho que não estamos mais no Kansas". Ou se nunca ouviu falar em sapatinhos mágicos de cristal vermelho (que no livro de L. Frank Baum, que deu origem ao musical, eram prateados).

Judy Garland, também conhecida como "a mãe de Liza Minelli", já era veterana quando lhe coube fazer Dorothy. A primeira escolha do estúdio havia sido a estrela mirim Shirley Temple, que o produtor Louis B. Mayer descartou por conta da vozinha de taquara rachada.

Garland seria avó (tudo bem, tia-avó) em muitas tribos da Nova Guiné quando assumiu o papel principal. Tinha 16 anos, e o personagem de Baum pedia uma menina de, estourando, 12 anos.

Por conta da discrepância, a atriz foi enfiada num corselete tão apertado que seus seios ficaram tão perceptíveis quanto os da atriz Tilda Swinton. Ou seja, invisíveis.

Como não havia rede social na época e nenhum espertinho para sair tagarelando, ninguém notou que uma petiz inocente de trancinhas adquirira o vozeirão da Alcione ao irromper em canto.

ARCO-ÍRIS

Judy Garland deu conta do recado e imortalizou o clássico "Over the Rainbow", de E.Y. Harburg e Harold Arlen, chamando a atenção dos críticos pela facilidade em alternar música e diálogo sem perder ritmo ou fôlego.

A ironia é que a canção correu o risco de não constar no filme, já que algum Einstein da sala de edição cogitou cortá-la por ser longa demais.

Em 1903, uma peça de "O Mágico de Oz" foi hit da Broadway. O filme também se deu bem logo de cara. Lançado em 1939, concorreu a seis Oscar, inclusive ao de melhor filme. Perdeu para o épico "...E o Vento Levou".

A aventura da menina e do cãozinho Toto (que era uma fêmea chamada Terry) nasceu da vontade do mitológico produtor Louis B. Mayer, que queria porque queria bater a bilheteria de "Branca de Neve e os 7 Anões", de Walt Disney, um megassucesso em 1937, em plena Depressão.

Disney tinha pensado em fazer Oz, mas a MGM detinha os direitos. O nada competitivo Mayer --não, nem um pouco, só que não-- tratou de contratar 14 roteiristas e não poupou despesas para realizar a superprodução em estúdio.

Nas cenas filmadas em tecnicolor, as temperaturas no set eram tão altas para realçar as cores que uma pá de bruxas e munchkins (os anões alegrinhos que, na vida real, eram beberrões e arruaceiros) acabaram internados com intoxicação por pigmentos tóxicos da maquiagem.

A coisa foi tão séria que, por conta de uma alergia ocular, Jack Haley (cujo filho acabou se casando, veja só, com Liza Minelli) tomou o lugar de Buddy Ebsen (o pai caipira do seriado "A Família Buscapé") como Homem de Lata.

VALORES

É natural enxergar em Dorothy a simplicidade da vida rural que escoa por um tornado/túnel semelhante ao de "Alice no País das Maravilhas". A Bruxa Má do Oeste sucumbe, e os valores básicos de Dorothy prevalecem. Ela encontra seu verdadeiro eu, o mundo espiritual e já pode voltar para casa.

Podemos estar falando de uma alegoria da física quântica em que a "Yellow Brick Road" é o caminho para o autoconhecimento. Afinal, Baum era membro da Sociedade Teosófica Madame Blavatsky. Será? E daí?

Há quem explore a história por seu aspecto freudiano, lacaniano e/ou justinbieberiano, analisando Espantalho (cérebro), Leão Medroso (coragem) e Homem de Lata (coração).

Fato é que, no dia seguinte à estreia, o "New York Times" escreveu: "O Mágico de Oz é tão bem-intencionado, tão gentil e alegre que qualquer crítico que torcer o nariz para ele deve ser mandado para a cama sem jantar".

Pode ser que eu corra esse risco agora, mas, já que estamos aqui, não me custa tirar uma dúvida que me persegue há quase 75 anos.

Existe alguma criança que não morra de sono assim que começa a cantoria do filme? As pessoas estão conversando e, de repente, saem cantando afinadíssimas, com um corpo de bailarinos bem ensaiados ao fundo. Por acaso essa turma acha que criança toma chá de cogumelo?

Sobre musicais, à exceção de "Minha Bela Dama" (1964), "Cantando na Chuva" (1952) e, quem sabe, "Amor, Sublime Amor" (1961), eu gostaria de parafrasear Seinfeld e perguntar: "Se você pode falar, por que cantar?".


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