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Maria bem louca

Peça lança novo olhar sobre rainha portuguesa, eternizada nos livros pelos modos excêntricos

SYLVIA COLOMBO DE SÃO PAULO

O conhecimento popular brasileiro sobre a rainha d. Maria 1ª (1734-1816), mãe de dom João 6º (1767-1826), ainda reproduz o lugar-comum construído por envelhecidos livros didáticos.

Repete-se que ela era "louca", que gritava estar vendo um demônio no Pão de Açúcar, e tinha de ser acalmada por banhos frios e sangrias.

Uma boa dose de simpatia, porém, lhe é destinada. Sua frase mais famosa demonstra a lucidez só cabível a um lunático, dita quando a família real embarcou às escondidas para o Brasil, em fins de 1807: "Não corram! Vão pensar que estamos fugindo".

Simpatia coroada (com o perdão do trocadilho), ainda, com o fato de os detentos do Carandiru terem apelidado de "maria-louca" uma aguardente produzida ilegalmente nas cadeias.

A peça "Palavra de Rainha", que estreia no próximo dia 13, em São Paulo, oferece uma nova interpretação da personagem, tentando entendê-la do ponto de vista de uma universal e atemporal melancolia feminina.

A atriz Lu Grimaldi, 60, conta que se interessou pelo personagem quando passava por um período de reflexão sobre o envelhecimento.

"Fui a Lisboa e fiquei intrigada com a história dela. Perdeu seis filhos, foi arrancada de seu país. Vivia atormentada pela culpa católica. Quem não enlouqueceria? Os médicos da época não sabiam como tratar a dor das mulheres."

D. Maria 1ª, que em Portugal era chamada de "piedosa", por suas obras beneficentes, foi tratada por especialistas ingleses, cujos remédios pareciam os mais ineficazes. "Mandavam que ela andasse no Tejo, quando ela havia feito isso a vida toda. Ou seja, não havia conhecimento suficiente das doenças mentais e da depressão", comenta Grimaldi.

O texto de Sergio Roveri e a direção de Mika Lins privilegiam a reconstrução artística de seus devaneios. "Não se trata de uma obra didática, seus pensamentos estão à deriva, por isso o cenário evoca o mar", diz Lins.

Com um longo vestido negro (200 m²) que toma todo o palco e ao mesmo tempo a aprisiona, d. Maria vaga ora perguntando onde está o filho, dom João, ora inquire o marquês de Pombal, a quem afastou do poder, ora pede perdão a Deus.

"Eu rogo humildemente que o senhor me absolva dele, do sonho, já que da maioria dos meus pecados eu nem me lembro mais", suplica.

Um dos fantasmas que mais assombram d. Maria é o de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), cuja ordem de execução ela assina. Depois, fica imaginando que pode encontrar a cabeça do alferes pendurada num poste, indagando-lhe o motivo da condenação.

D. Maria morreu aos 81, no Rio, cidade que ela percorria de carruagem e que se acostumou a seus gritos melancólicos durante a noite.


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