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Artista constrói obras a partir do acaso

Rivane Neuenschwander expõe objetos banais, como listas de mercado, para refletir sobre os desvios da linguagem

Mineira tem agora uma grande retrospectiva no Museu de Arte Moderna, ao lado da Bienal de SP, no parque Ibirapuera

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

No mundo de Rivane Neuenschwander, a beleza é marginal. Está nos palitos de dente e guardanapos amassados na mesa do bar, em palavras cavadas com estilete na porta do banheiro, em listas de supermercado ou no contorno de uma linha de costura caída sobre um pano.

Em sua retrospectiva agora no Museu de Arte Moderna de São Paulo, a artista constrói um poderoso inventário da banalidade e do acaso, como se tentasse impor uma métrica ao imprevisível.

Logo na primeira sala da exposição, caixas de feira desmontadas formam o espaço para um jogo de palavras cruzadas. Laranjas com letras recortadas na casca são jogadas ali e podem ser arranjadas pelo público para criar um palavrório espontâneo.

Essas letras soltas travam um diálogo com as folhas cheias de pontos finais na parede oposta. São grafismos abstratos feitos por máquinas de escrever alteradas pela artista --ela manteve as letras no teclado, mas todas as teclas batiam só as pontuações.

Neuenschwander, artista de Belo Horizonte que despontou nos anos 1990 e se tornou um dos nomes mais respeitados da arte do país, torna explícita aqui sua afeição ao silêncio, ou à dimensão da linguagem que destoa do significado comum. É como se arquitetasse sua obra sobre compreensões inesperadas.

"Existem mal-entendidos na fala, quando não ouvem o que você está dizendo", diz Neuenschwander. "Mas também existem os mal-entendidos arquitetônicos, culturais. Toda a mostra fala de subjetividade, linguagem e afeto."

É na disjunção entre um ato e sua interpretação --como se importasse mais o ruído do que a mensagem final--, que um vídeo mostra mãos fazendo gestos da linguagem de sinais, enquanto as sombras projetadas não correspondem aos movimentos manuais.

O fato de esses sinais serem todos termos eróticos abre caminho para uma série de trabalhos da artista calcados na ideia de desejo e seus desvios.

VOYEURISMO E PARANOIA

Uma delas é a sala com buracos recortados na parede, um convite ao voyeurismo. Não há nada lá dentro, e os pedaços das paredes estão numa caixa de correio no centro do espaço, em que remetente e destinatário são o próprio museu, evocando a ideia de imobilidade e de expectativas.

Do mesmo jeito que expurga a linguagem de significados mais imediatos, a artista copia quadros de ex-votos sem a imagem de seus personagens. "Saem os anjos, os santos, toda a carga dramática."

Numa das últimas salas da mostra, a artista mandou enterrar microfones no chão e depois destruiu o espaço à procura deles. O que fica exposto depois é só o ruído gravado da destruição.

"Esse espaço fala de vigilância, paranoia, voyeurismo", explica a artista.

Tem a ver com os retratos da sala ao lado, em que visitantes da mostra descrevem seu primeiro amor a um retratista da polícia, e o espaço vai sendo tomado por uma galeria dessas lembranças.

São rostos já ausentes, do mesmo jeito que velhas listas de supermercado formam um calendário noutro ambiente da mostra, evocando um passado frágil.

RIVANE NEUENSCHWANDER
QUANDO de ter. a dom., das 10h às 17h30; até 14/12
ONDE MAM, pq. Ibirapuera, portão 3, tel. (11) 5085-1300
QUANTO R$ 6 (grátis aos dom.)


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