Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Crítica - Tragédia

Juca de Oliveira guia o público pelo drama de um pai em 'Rei Lear'

Em espetáculo solo, ator se expressa com empatia e clareza e mostra seu melhor ao viver o personagem Bobo

NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO

"Rei Lear", com o ator Juca de Oliveira, não começa com a tragédia do rei octogenário, mas com a passagem de "Hamlet" em que o príncipe instrui e questiona os atores, no que é tido como exortação do próprio Shakespeare para que não sufoquem o texto.

É o que o ator procura fazer, ao longo da hora seguinte, com a tradução simples e precisa de Geraldo Carneiro e a encenação despojada de Elias Andreato. Como Lear, consegue plenamente.

É o Juca de Oliveira tão conhecido, que se expressa com empatia e clareza, que conversa com o público e o guia gentilmente ao narrar a trajetória do rei.

Narração --em lugar de ação-- é algo que se costuma evitar no palco, mas é até necessário, no caso, devido à adaptação drástica.

A demência crescente do rei é representada com naturalidade, sem descontrole, como pede Shakespeare/Hamlet no começo. Mas é ao viver o Bobo que o ator mostra seu melhor.

Mais realista e cruel, incapaz de ingenuidade, o personagem remete à própria função de um ator e é prato cheio para a atuação irônica de Juca de Oliveira.

Em lugar da loucura e depois da infantilização de Lear, seu Bobo traz lucidez e distanciamento, desnudando o autoengano do rei, mesmo sob risco de punição.

FAMILIAR

Mas as intervenções são pontuais. A adaptação opta pelo núcleo familiar e dramático, sacrificando aquele mais político e propriamente trágico dos outros personagens de importância na peça, como Edgar, Edmund e Gloucester.

É como se "Rei Lear" se fechasse em uma de suas fontes, aquela dos contos de fadas mais ou menos próximos de Cinderela: as duas filhas malvadas que fingem amar e assim enganam o pai, enquanto aquela que o ama de verdade, Cordélia, é perseguida.

Levada ao limite, a opção da montagem pelo drama termina sem a morte trágica de Cordélia --e do pai.

Não falta justificativa para essa mudança do final. Até Samuel Johnson (1709-84), ensaísta que é referência sobre Shakespeare, preferia uma adaptação em que a filha não morria. Mas aí se torna quase outra peça. Ganha até moral da história, com a vitória do bem sobre o mal --e a recompensa ao pai, por seu arrependimento.

Não se trata de monólogo, mas de um solo em que o ator faz vários papéis, como nas celebradas versões de Bob Wilson e Robert Lepage para "Hamlet".

A interpretação é menos feliz nos personagens femininos, das três filhas. Os trechos selecionados são didáticos, ajudam no desenrolar da trama familiar, mas também acabam carregando algo de caricatural.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página