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Crítica poesia

Edição endurece clássicos versos de Whitman

"Folhas de Relva - Edição do Leito de Morte", do poeta americano, ganha versão traduzida por Bruno Gambarotto

Nova versão brasileira mata a fluência e a sonoridade da obra original, e apresenta um resultado prolixo e literal

SÉRGIO ALCIDES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um interessante paradoxo é ler em português este verso de Walt Whitman: "Sou também nem um pouco domável, sou também intraduzível".

Ninguém pode reclamar que faltem versões brasileiras das "Folhas de Relva", o clássico revolucionário do patriarca da poesia americana.

Mas o difícil, neste caso, é chegar a uma tradução que não "domestique" o original. Para que, em outra língua, continue a ser poesia o "berro cheio de fúria" que ele espalhou "pelos telhados do mundo".

Ultimamente aumentou o interesse por Whitman no Brasil. Em 2005 saiu a corajosa versão de Rodrigo Garcia Lopes só da primeira edição de "Folhas de Relva", de 1855 (editora Iluminuras). No mesmo ano, Luciano Alves Meira publicou uma tradução integral do livro, pela Martin Claret. Agora, a Hedra lança a "Edição do Leito de Morte", de 1891-1892, traduzida por Bruno Gambarotto.

Whitman atravessou o século 19, de 1819 a 1892. Viu de perto os passos decisivos que consolidaram a democracia americana e transformaram os EUA em potência. Acompanhou a tragédia da Guerra Civil, entre 1861 e 1865, quando serviu como enfermeiro.

Desde o início, sua poesia foi um desafio à ideologia oficial. Sua visão da democracia extrapolava a simples noção de um regime político. Era um modo de viver "na estrada aberta", uma abertura ética para a diferença.

Cantar a democracia para ele era cantar também o interdito, o excêntrico. E cantar o amor era cantar o sexo, muito além da mera procriação. No contexto do puritanismo, proclamava que "a alma não é mais do que o corpo".

Homossexual, descreveu abertamente o desejo entre homens no segmento mais lírico de seu livro, chamado "Cálamo".

Passou a vida reescrevendo sua obra-prima, que também se expandiu junto com as fronteiras dos EUA. "Inalo gigantescas tragadas de espaço", escreveu, como se fosse a própria persona multifária de seu país.

As "Folhas de Relva" são a convergência das ideias poéticas, políticas e religiosas do autor. Elas são expostas em prosa em "Vistas Democráticas", de 1871. Para ele, um elemento espiritual se acha no cerne da democracia - mas ele é precioso demais para ser abandonado às igrejas. A literatura é que devia se ocupar de cultivá-lo.

Whitman foi visto como o iniciador de uma poesia nova, marcada pelos valores libertários que ele defendia. Por isso um autor inglês como D. H. Lawrence, oprimido por tradições envelhecidas, considerava-o como "o primeiro aborígene branco".

A nova edição brasileira tem o prefácio de Gambarotto, que se mostra mais apto como crítico do que como tradutor. Sua versão endurece o verso livre whitmaniano e mata o fluxo recitativo de fala ritmada do original. O resultado é prolixo e literal.

Uma inconsistência é a sistemática tradução de "grass" por "grama", exceto no título. Há também sentenças truncadas e cacofonias.

O melhor Whitman brasileiro ainda é o das "Folhas das Folhas de Relva", de Geir Campos, parcial e às vezes discutível, mas sempre fluente e sonoro como o bardo que deitava e rolava na "relva que cresce/ onde quer que haja terra e haja água".

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FOLHAS DE RELVA

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