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Crítica romance

Silvestre se firma como romancista

Autor pertence à linhagem dos que recuperam enredo e cenário como elementos-chave da narrativa

ALBERTO MUSSA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Embora não venha merecendo atenção de grande parte da crítica, já é possível perceber, na literatura brasileira contemporânea, uma nova linhagem de escritores, cujo traço comum é o abandono da experimentação, da hipertrofia psicológica, da violência pura e do grotesco, recuperando o enredo e o cenário como instâncias fundamentais da narrativa.

Edney Silvestre é um romancista assim. Seu livro de estreia, "Se Eu Fechar os Olhos Agora", conta a história de dois meninos que, numa cidade interiorana, encontram o cadáver de uma mulher morta com crueldade. Tudo o que acontece depois decorre dessa situação excepcional, inclusive a vida interior dos protagonistas.

"A Felicidade É Fácil", seu novo livro, mantém esses princípios. Começa com o sequestro de um menino, filho dos empregados de um publicitário envolvido com políticos corruptos. Houve na ação um equívoco, propiciado pela circunstância de o menino ser louro e ter sido visto no colo da madame.

O caso ganha em dramaticidade porque a vítima, o filho dos empregados, não escuta e não fala. Não pode, assim, desfazer o engano.

Mas o romance é, sobretudo, político. E a análise política se faz pela construção das personagens.

É o caso, por exemplo, da mãe do menino sequestrado, personagem forte, com sua dor contida, sua fidelidade ao patrão, sua resignação ante a crueldade do destino.

Reflexo desse tempo, e desse Brasil, também são o segurança, acomodado, sem ambição, quase um autômato, que morre mecanicamente e meio por acaso; e sua filha, que depois da tragédia acaba saindo do país -metáfora dura de uma certa geração desamparada, que desiste.

EXUBERANTES

No polo oposto, há talvez as personagens mais exuberantes: o casal formado pelo publicitário e sua mulher, antiga prostituta que se torna madame.

Mara, a mulher, é uma figura inesquecível, por tudo que tem de contraditório: um tédio de milionária e uma doçura reprimida que explode na crise de compaixão quando percebe que o marido nada faz para salvar o filho dos caseiros.

E o marido, Olavo, símbolo de uma elite corrupta e egoísta, revela todo o seu caráter menos no descaso com a vida alheia do que na forma como trata sexualmente a mulher. As cenas eróticas do livro, aliás, são de mestre.

Por fim, há a quadrilha de sequestradores, integrantes de uma organização internacional de esquerda, cuja ação demonstra não haver muitas fronteiras entre crime e radicalismo ideológico.

O romance não deixa de ser também uma pequena história da indústria do sequestro.

Essas personagens se entrecruzam numa narrativa não linear e de ritmo empolgante, com muito suspense e muita emoção, pontuada pela frase-título, que volta e meia emerge do texto, numa sutil ironia.

PÚBLICO LEITOR

Edney se consolida, assim, como um nome de ponta nessa nova linhagem da ficção brasileira, que acredita serem os grandes livros a culminação de grandes histórias.

E não custa lembrar que a literatura profana, que surgiu há uns 4.000 anos no Antigo Egito, teve como fundamento as coleções de contos extraordinários.

"A Felicidade É Fácil" é uma das histórias extraordinárias do nosso tempo. E há um mérito nela que transcende o próprio texto: contribuir, de maneira decisiva, e não menos brilhante, na reconstrução de um público leitor para o romance brasileiro.

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A FELICIDADE É FÁCIL

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