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De Palhaço a presidente

Formado no circo, Domingos Montagner vira político em minissérie da TV Globo

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Seria um insulto para Domingos Montagner, 49, dizer que política é palhaçada. Um insulto aos palhaços.

"Muita gente tem o que aprender com eles", diz.

Quando estrear como protagonista de TV, na minissérie global "O Brado Retumbante", no próximo dia 17, Montagner não fugirá do seu habitat natural de artista.

Nos anos 80, bem antes de virar um popular e mulherengo presidente na telinha, ele decidiu seguir a vida circense. E nela continua, como diretor artístico do Circo Zanni -o nome vem de um personagem, o do servo comediante da "commedia dell'arte".

Como palhaço e trapezista, cofundador da companhia de teatro circense La Mínima, conquistou o Prêmio Shell de ator em 2009 com a peça "A Noite dos Palhaços Mudos", baseada em quadrinhos do cartunista da Folha Laerte.

No ano passado, Montagner desandou também a atuar na TV. E seu picadeiro, agora, faz de Brasília uma insólita fábrica de marmelada.

Na trama escrita por Euclydes Marinho, ele viverá o presidente Paulo Ventura.

Montagner assume o papel principal após poucos voos na TV Globo: participou das séries "Força Tarefa" e "A Cura" e foi líder cangaceiro em "Cordel Encantado".

Espécie de Lula "sem o ranço político", Paulo sequer político de carreira é. Mas cai de paraquedas no Palácio do Planalto, preso numa daquelas ratoeiras armadas pelos poderosos da capital.

Esse "quixotesco e sonhador estranho no ninho", na definição de Montagner, faz o tipo popular, que mal chega ao Palácio e já puxa papo com o segurança, flamenguista roxo como ele.

É também um boêmio, que se enrola com a mulher de um senador, encanta-se com uma intérprete e vive em crise com a primeira-dama (Maria Fernanda Cândido).

Para completar o potencial de gerador automático de escândalos, o casal presidencial tem filha barraqueira e filho transexual.

Como diria o outro palhaço da política, Tiririca: Brasília é uma "fábrica de loucos". E, adianta Montagner, o bem-intencionado personagem "começa de uma maneira e vai terminar de outra", após sofrer pressão e até atentado.

Com o próprio ator, há outra transição em marcha. Porque ele é, assim como Paulo, um estranho no ninho.

Montagner passou quase cinco décadas fora do padrão Globo de atuação. Vive a centenas de quilômetros do Projac, com a mulher e três filhos (de um a oito anos), numa casa em Embu das Artes, na Grande São Paulo.

DE PALHAÇO A GALÃ

Mas algo mudou. Desde que entrou na Globo, Montagner trilha caminho comum às estrelas. Faustão já tentou lhe arrancar lágrimas no piegas "Arquivo Confidencial", e Ana Maria Braga o convidou para degustar receita de uma espectadora: virado à paulista.

Longilíneo e desencanado -mais de 1,90 m espichado num jeans básico e numa blusa preta-, o aspirante a galã discorre sobre o status no Teatro Municipal do Rio, onde gravou cenas da minissérie.

Algo mudou, de fato, mas não foi ele. Não Domingos, o cara formado em educação física que dava aula em colégios e que largou tudo para se apresentar como palhaço na rua. Não o cara que até hoje demora uma hora para se maquiar até virar Agenor, seu nome de guerra no circo.

Estar num veículo comercial, após décadas no circuito independente, incomoda?

"Sempre vi a TV como indústria do entretenimento, mas há bons exemplos de produtos. Por que não?"

Falar com a massa, afinal, é a essência da arte popular.

"Meu trabalho é indissociável da minha experiência no circo. O palhaço tem como síntese a simplicidade e o desapego completo do ego. Isso é uma simplicidade muito difícil de alcançar."

Agora, um exercício e tanto seria imaginar figurões de Brasília treinando esse tal de "desapego completo do ego".

Para montar o presidente de "Brado Retumbante", Montagner analisou vários deles. Viu muita TV Senado, "quase sem som", só para incorporar o gestual.

Estudou grandes oradores, como Lula e Barack Obama, mas não se espelhou num político em particular para criar Paulo, "que é um cara à parte" no meio de tanta palhaçada -sem insultar os colegas.

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