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Crítica - Romance

Falta de banho serve de metáfora para criticar convicções

MANUEL DA COSTA PINTO COLUNISTA DA FOLHA

Célio Waisman, protagonista do novo romance de Bernardo Ajzenberg, trabalha num instituto ambientalista e, de um dia para o outro, decide parar de tomar banho. Célio até encontra justificativa "ecologicamente correta" para a decisão, mas seu impulso é de outra ordem --obscura para ele mesmo e cômica para o leitor, que acompanha suas peripécias para disfarçar os efeitos fétidos da falta de sabão.

Esse ponto de partida da obra tem algo de satírico, expõe o modo como convicções plausíveis, quando se tornam obsessões, podem conduzir a situações absurdas. Ao longo do romance, Célio angaria simpatizantes, cria o blog MVSB (Minha Vida Sem Banho) --"protesto não só contra o uso indevido da água mas também contra o status quo' em geral"-- e participa de reuniões de uma sociedade secreta, o Falanstério --mesmo nome das comunidades utópicas idealizadas pelo socialista Charles Fourier no século 19.

Ocorre que o livro de Ajzenberg não fica restrito a esse fio narrativo bizarro, cujo protagonista é uma espécie de cruzamento entre o personagem dos quadrinhos Cascão e Bartleby, criação do escritor americano Herman Melville, que vive imerso no imobilismo monomaníaco.

Paralelamente ao relato de Célio, entram em cena mensagens que ele recebe da namorada (que está em Manaus a trabalho e não compreende sua apatia) e trechos do diário de um amigo de seus pais, Marcos Wiesen, relatando a militância política dos três durante a ditadura.

O relato de Wiesen se sobrepõe aos registros de Célio e o que era cômico revela seu lado dramático: reuniões em células subversivas, onde discussões sobre a luta armada e a hierarquia dos ativistas eram um biombo para disputas pessoais e traições conjugais.

E se o Projeto de Célio (sua militância antibanho) é uma caricatura tanto da Causa ecológica quanto da Organização em prol da Revolução --sempre em maiúsculas, como convém à magia retórica das seitas--, o destino de seus pais, que agonizam no tempo presente da narrativa, abre a cortina de uma sujeira que coloca em xeque a própria paternidade do protagonista.

Contra essas impurezas ideológicas e afetivas --e tendo como pano de fundo o sentimento de culpa judaico e a obsessão do pai de Célio pelo Holocausto como "fuga do presente"--, o livro de Ajzenberg faz da falta de banho uma recusa tragicômica das ilusões de purificação.


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