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Crítica - Romance

Nigeriana faz panorama sensível da atualidade

Chimamanda Ngozi Adichie mostra frescor e agudeza ao retratar o mundo dos negros nos EUA em 'Americanah'

AFRICANA DESCOBRE SER NEGRA APENAS QUANDO CHEGA AOS EUA

LUÍS AUGUSTO FISCHER ESPECIAL PARA A FOLHA

"Americanah" tem a beleza e a força dos grandes romances realistas de qualquer tempo. É uma grande e atribulada história de amor, e ao mesmo tempo é um panorama sensível do tempo histórico que retrata --este tempo em que vivemos, com internet e imigração massiva do Terceiro para o Primeiro Mundo, com blog e vida universitária, com racismo e afirmação de minorias.

O fato de ser a autora uma nigeriana, com experiência pessoal de vida fora de seu país, por certo explica parte dessa beleza e dessa força.

Nos centros principais da vida ocidental, os romancistas, dos maiores aos mais triviais, parecem obrigados a jogos metanarrativos, a fundos falsos no enredo, a malabarismos que de algum modo deem notícia de que o autor não passou em branco pela onda pós-modernista.

Chimamanda Ngozi Adichie não. Nas páginas de seu novo romance há aquele frescor dos praticantes ingênuos de um gênero que, em outras latitudes, tem já seu tanto de vicioso.

Na trama que une e separa dois adolescentes e depois adultos --Ifemelu, moça de classe média baixa em Lagos, e Obinze, rapaz filho de professora universitária de literatura na mesma cidade--, vamos lendo uma extensa (e ótima) descrição de costumes, modos de ver e estar, de sonhos e realidades vívidos, quase palpáveis, como se estivéssemos, em termos brasileiros, lendo o melhor Jorge Amado ou Érico Veríssimo, ou um Graham Greene, citado no enredo.

País multiétnico em si, colonizado pela Inglaterra, a Nigéria terá moldado a narrativa de Adichie com o prazer pelo concreto do romance inglês e a atenção para as diferenças culturais.

Enquanto Obinze passa por uma experiência muito mal sucedida de imigracão para a Inglaterra, Ifemelu vive a dura experiência de imigrante quase ilegal nos EUA, com direito a barra-pesada e degradação moral, mas encontra seu lugar mediante namoros e trabalho --e o romance nos dá essa sucessão em contraponto inteligente, numa dosagem perfeita entre relato de vida cotidiana e velocidade narrativa.

Outro grande valor do livro: a protagonista mantém um blog de altíssimo interesse para o debate brasileiro (e ocidental) atual.

Em textos que se intercalam à perfeição no andamento geral do relato, Ifemelu tem por assunto o mundo dos negros nos Estados Unidos, visto por uma africana recém-chegada, que descobre ser negra apenas quando lá desembarca.

Com agudeza crítica e uma ponta de sarcasmo, tomamos contato com sutilezas do cotidiano e da utopia desse mundo.

A Nigéria também é arguida. A corrupção das elites, as fantasias de "chegar lá" mediante cópia de modos e produtos, os nexos da dominação, enfim, tudo isso forma a contraparte da crítica aos Estados Unidos.

Escrito por mulher negra, "Americanah" tem ainda o requinte de expor a intrincada vivência de quem precisa pensar nos cabelos com ênfase especial: há muitas páginas ocupadas com cabeleleireira, penteados e tratamentos, em cenas nunca banais, autopiedosas ou vãs. Até nisso, um belíssimo romance.


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