Crítica - Documentário
Filme ajuda a compreender o sofisticado olhar de Zhangke
Quando "Um Toque de Pecado", de Jia Zhangke, foi exibido no Festival de Cannes, em maio de 2013, o diretor comentou entusiasmado que seu filme já havia sido aprovado pelo órgão estatal responsável pelo cinema na China. Faltava apenas marcar a data de lançamento.
Mas não foi bem assim. Meses depois, Zhangke soube que a decisão havia sido revogada. O momento, que o deixa abalado, está documentado em "Jia Zhangke, um Homem de Fenyang". E esse é apenas um dos detalhes que aproximam o filme de Walter Salles da obra do chinês.
Ao documentar o diretor que se tornou o principal cronista das transformações da China contemporânea, Salles contribui para escrever essa crônica, capturando aspectos que não caberiam em um filme do cineasta, como o próprio fato de que seus filmes, vitimados pela censura, mal circularam em seu próprio país.
Salles e o fotógrafo uruguaio Inti Briones acompanham Jia Zhangke em várias situações. O filme começa com uma longa caminhada de Zhangke e Wang Hongwei (ator de seu primeiro longa, "Pickpocket") pelas ruas que serviram como locação para o filme. Agora, esses lugares estão irreconhecíveis.
Alguns momentos de sabor agridoce mostram Zhangke em conversas informais com a família e vizinhos, quando vêm à tona memórias de seus tempos de criança, ainda sob os princípios da China comunista. "Minha principal lembrança da infância é a fome", diz, a certa altura.
Salles recheia seu documentário com cenas de filmes sem cair na armadilha de transformá-las em meras ilustrações. Cada trecho contribui para uma melhor compreensão da sofisticada operação do olhar de Zhangke.
Nesse sentido, um dos momentos mais tocantes do filme é aquele em que o cineasta conta o dia em que seu pai foi ver "Em Busca da Vida". A reação do velho foi de preocupação ("Alguns anos antes você seria preso", disse). Bastante emocionado, Zhangke diz que seu pai teve poucos momentos de felicidade na vida.