Crítica - Romance
Final denso redime livro com começo errático e enredo forçado
"Hosana" é um hino de graças, de alegria; uma conhecida fórmula litúrgica católica fala em "Hosana nas alturas", em referência aos domínios da divindade. Marcelo Mirisola batizou seu novo relato com a denegação dessa alegria e dessa elevação, "Hosana na Sarjeta".
Esse ar de confrontação, de blasfêmia, de transgressão, é reivindicado o tempo todo no texto, que nos dá, em primeira pessoa, a história de um certo Marcelo, escritor de sacanagem, que oscila entre arroubos de tesão e certo amor por mulheres (são duas, a brega, mas "de verdade" Paula Denise, e a amalucada Ariela), e sua família, que vive no mundo rural, com a qual acaba de alguma forma se reconciliando, no final.
O varejo do texto é mais do mesmo, do conhecido estilo de Mirisola, para o bem e para o mal: cenas de sexo, abordadas não para efeitos de encantamento ou transcendência, de qualquer tipo, mas para a exposição de degradações, de perdas, algumas vezes decorrentes de prazer físico; o narrador sempre herói, ainda que em negativa, com muita autocomiseração; o horizonte social e humano sempre deprimente, na vizinhança de bandidagem e imerso em desagregação; a cidade e o espaço social dos personagens sempre regressivo, meio fantasmagórico, em que, porém, o narrador encontra motivos de gozo.
A armação geral do enredo tem seu quê de inverossímil, de forçado. Na abertura, lemos que o narrador viveu, nos anos 90, na ilha de Sumatra, onde era parceiro de um certo Brecão e sua esposa, Vânia Marmiteira.
Mas logo no primeiro capítulo ele está a 22 anos de distância daquele mundo, na São Paulo de 2012, e tudo o mais se realiza aí mesmo. Para que, então, aquele começo? Era para render algo no enredo, ou para efeitos de estranhamento do leitor?
Há também piadas, ironias, recados --aqui contra os críticos e professores da Unicamp, ali contra os leitores de Shinyashiki, mais adiante contra os fãs de Chitãozinho e seu irmão ou um escritor de novelas. Alguém se ofende?
Mas há igualmente momentos preciosos --o amanhecer em São Paulo, o narrador tentando encontrar um motivo para um certo lirismo, descrito como "aquela mistura de gás carbônico laranja e bom trabalho, amor'", ou uma memória do narrador menino, quando já "vislumbrava a morte no mar lento e oleoso".
Dois méritos maiores merecem registro. Um, a fluência do texto, a concatenação de descrições e alusões (como noutros textos do autor, há aqui momentos de desfile de heróis do panteão estético do narrador, parece que em nome do autor mesmo), resultando num ritmo preciso.
Dois, o encaminhamento final do enredo, que de algum modo redime o errático dos primeiros dois terços do livro e mostra densidade dramática à altura das alegações do narrador.