38ª Mostra de Cinema de SP
Diretor de 'Entre os Muros da Escola' retrata sonhos frustrados em Cuba
Laurent Cantet reuniu histórias de moradores da ilha durante filmagem de um curta em 2012
'País está aberto para refletir sobre o que deu certo e errado', diz o escritor e corroteirista cubano Leonardo Padura
Cinco amigos se reúnem ao redor de uma garrafa de Coca-Cola para comemorar a volta de um deles de um exílio de 16 anos na Espanha. Na conversa, referências a Beatles e ao escritor peruano Mario Vargas Llosa. O cenário: o alto de um prédio em Cuba.
Essa é a premissa de "Retorno a Ítaca", do francês Laurent Cantet, vencedor da Palma de Ouro em 2008 por "Entre os Muros da Escola".
Entre os amigos, um pintor que largou as telas, uma mulher que lamenta a morte e a separação de pessoas queridas, um funcionário público rico rechaçado pelos colegas. Amadeo, que se impôs o exílio, é um escritor que não consegue se inspirar longe das agruras de seu povo.
"O filme é crítico porque o povo critica muito o regime, mesmo. Mas fazem isso porque eles amam muito seu país", diz o diretor à Folha.
As visitas que fez à ilha, conta, foram o estímulo para filmar aquela realidade. "Você se apaixona nas ruas, conversando com as pessoas. Elas querem falar do país para você." Reuniu tantas histórias que resolveu voltar a retratar Cuba após ter rodado um dos curtas do filme "7 Dias em Havana", de 2012.
Apesar de ouvir queixas sobre repressão e crise econômica, Cantet encontrou um tom construtivo. "A população está preocupada em manter o que há de bom, como o sistema de educação, de saúde, mas espera por melhoras."
Com um dos poucos regimes declarados socialistas do mundo, o país latino gera discursos intensos de amor e ódio. "Cuba é uma situação única, algo quase mitológico. Por isso, o título remete à cidade de Odisseu [protagonista da "Odisseia", de Homero], e à volta do herói. É um país que representa esperança para muitos de nós."
O escritor cubano e colunista da Folha Leonardo Padura, corroteirista do filme, afirma que o ponto central do roteiro não é tecer críticas a Castro. "[Isso] reduz a história: é um conflito de caráter humano e existencial, em que a política tem um peso".
Os 96 minutos são dedicados a lembranças de sonhos antigos e à reflexão de como decisões pragmáticas e a dureza do Período Especial (os anos seguintes ao fim da URSS) mudaram os princípios de cada um."É sobre vidas frustradas", diz Padura.
Mas, segundo ele, a intolerância do governo, importante no revés de alguns personagens, melhorou nos últimos anos. "Senão, não se poderia fazer um filme como Retorno a Ítaca' com autorização oficial cubana."
O diretor concorda: "O país está num momento em que está aberto para parar e refletir sobre o que deu certo e errado. E isso é muito bom".