Crítica - Teatro
Dramaturgia é ponto alto em peça política
'O Dia em que Sam Morreu', do grupo carioca Armazém, coloca espectador em diferentes ângulos conflitantes
"Em tempos de confusão política, desregramento econômico, corrupção midiática..." É assim que o programa de "O Dia em que Sam Morreu" anuncia sua busca de saídas.
Ou pelo menos a busca de um diálogo mais complexo, por meio do teatro, "sobre a sensação geral de que algo não está bem". Sobre a falta de ética, de maneira muito oportuna, em tempos de eleição.
Não se trata de teatro político com resposta pronta, mas com perguntas conflitantes entre elas mesmas, nos diferentes ângulos para um mesmo evento: num hospital cheio, um jovem aponta uma arma para um médico corrupto, até sair o tiro.
Alternadamente, o espectador se vê no médico, no jovem, num palhaço com Alzheimer, em sua filha que faz de tudo para ajudá-lo, numa juíza que fura a fila de transplante.
Maior ou menor, o desvio ético é reapresentado seguidamente, no cenário alegórico de um hospital, em que as escolhas podem levar à morte. Três personagens têm o nome "Sam" como diminutivo.
O grupo carioca Armazém, originalmente do Paraná, soma quase 30 anos sob a direção de Paulo de Moraes e suas opções formais vêm de longe.
Mas as inquietações estéticas e éticas são paralelas ao que há de mais representativo no teatro global, caso do alemão Thomas Ostermeyer e seu "realismo capitalista", e têm igual impacto.
"The Day Sam Died", título com que foi apresentado há pouco no festival de Edimburgo, não foi premiada à toa pelo jornal "The Scotsman".
A estrela é a dramaturgia, originada coletivamente e escrita por Maurício Arruda Mendonça junto com o diretor. Com perspicácia, evita pistas fáceis e vai emaranhando o pensamento linear do público.
A trilha sonora, com execução ao vivo, mantém a intensidade constante. Também as interpretações, mas uma em especial: Patrícia Selonk, como Samanta, incorpora intensamente o conflito de escolher entre a vida e a razão que tinha para vivê-la.