Crítica - Quadrinhos
Humor encanta em autobiografia da loucura
Ellen Forney se assume uma anti-heroína problemática e fala do transtorno bipolar que superou em elogiada HQ
Difícil escrever a resenha de "Parafusos", da aclamada quadrinista americana Ellen Forney (o livro bombou na lista dos mais vendidos do "New York Times" e foi apontado como um dos quadrinhos do ano pelo jornal "Washington Post"), sem falar da minha absoluta identificação.
Devorei o livro em uma única tarde e assustei meu cônjuge com risos histéricos e algumas lágrimas gordas.
Ellen foi diagnosticada bipolar aos 30 anos e se viu obrigada a tomar muitos antidepressivos e tarjas pretas (testou vários por anos até que começou a se sentir mais equilibrada).
Seu grande medo era que os remédios destruíssem a sua criatividade e a transformassem em mais uma sem graça civil de emoções embotadas.
O risco de toda autobiografia da loucura é cair no pedantismo. Ainda que flertar involuntariamente com o declínio da existência possa soar meio "tadinho", o narrador que mitifica uma doença sempre pode ficar um pouco arrogante ao estilo "ei, você, normalzão aí, que vidinha merda, hein?!".
Mas a artista conseguiu, com traços certeiros, delicadeza e humor, conquistar o lugar de anti-heroína problemática e transparente, que tem algo a dizer a um mundo cada vez mais (psiquiatricamente) doente.
Durante as páginas em que ela narra a sua euforia desmedida para fazer festas de aniversário, transar alucinadamente com amigos e desconhecidos e promover uma sessão de fotos sensuais entre as colegas de natação, você torce muito para que ela jamais comece a tomar os remédios (que mulher incrível!).
Mas na sequência, como era de se esperar de uma pessoa em episódio maníaco, Ellen chega desesperada a sua psiquiatra para começar o tratamento: ela está há semanas conseguindo se locomover apenas da cama para o sofá.
Graças a sessões de terapia, comprimidos, ioga, acupuntura, amigos, familiares e trabalho (o que certamente a ajudou mais do que tudo isso), o final do livro é positivo.
E isso não é spoiler, basta dar um Google para ver a quadrinista vivinha e aparentemente bem: sim, dá para ser medicada e criativa (talvez até mais)!
Ellen Forney divaga sobre um certo "charme" em pertencer a um grupo de artistas com transtorno de humor, representado por Van Gogh, Georgia O'Keeffe e Sylvia Plath.
Mas, para nossa sorte, ela também resolveu ficar no clube dos vivos.