Louco por Caravaggio, porteiro resgata Karl Marx da lixeira
'Depois que você lê Machado, nunca mais é humilhado', ensina
O porteiro José Carlos da Silva, 52 anos, costuma repetir o mesmo programa nos dias de folga. Pega o metrô na rua da Consolação, desce na estação da Luz e adentra o seu paraíso: a Pinacoteca do Estado de São Paulo.
"Gosto de passar o dia inteiro na Pinacoteca admirando a coleção do Almeida Júnior. Sou apaixonado por arte e louco por Caravaggio", diz. "Vou mais a museus e bibliotecas do que ao cinema, porque é de graça."
No prédio onde mora e trabalha há 14 anos, na Bela Vista, região central de São Paulo, o Seu Zé é conhecido pelo gosto refinado e pela disposição para encarar uma escaramuça intelectual.
Nas semanas que antecederam as eleições, defendeu a então candidata Dilma Rousseff (PT) com golpes de Machado de Assis: "Depois que você lê Machado, nunca mais é humilhado. Machado me mostrou toda a hipocrisia do mundo. Todos os preconceitos estão na obra dele. Recito Helena' de cor e salteado".
Seu Zé nasceu em Carpina, a 65 quilômetros do Recife, numa família de cinco filhos. Aos 18 anos, resolveu tentar a vida em São Paulo. Chegou com uma mão na frente e outra atrás, como diz, e logo arrumou um emprego de faxineiro nos Jardins.
CURSO NO MASP
"Na escola primária, tive uma professora que dizia: procure conhecimento, meu filho'. Isso nunca me saiu da cabeça. Logo que cheguei aqui fui atrás de uma biblioteca. Passava os dias de folga na biblioteca Presidente Kennedy, em Santo Amaro", lembra.
O gosto pela arte veio depois. Em 2003, leu no jornal sobre um colecionador que havia pago milhões de dólares num quadro de Van Gogh. Ficou intrigado com a cifra.
"Como é que podia um quadro custar tanto dinheiro? Uma vizinha me falou, então, de um curso de história da arte no MASP. Liguei, expliquei minha situação e ganhei uma bolsa. Um ano inteiro estudando arte, melhor ano da minha vida", comenta.
E continua: "Cultura é caro. Completei o ensino médio no Sesi. Em 2010, fiz o Enem, passei e entrei no curso de turismo. Agora estou querendo estudar história na PUC. Mas só a inscrição do vestibular custa 10% do meu salário".
A sorte do Seu Zé é que cultura também se acha no lixo: "Lixo de prédio é uma surpresa. Uma vez encontrei uma caixa cheia de livros bons. Até O Capital', do Karl Marx. Ainda não li, mas vou ler em breve. Está na fila".