Crítica - Teatro
Bruno Mazzeo é cortante em monólogo crítico
Avesso ao riso e com concentração arrebatadora, ator mostra-se outro em espetáculo 'Sexo, Drogas e Rock'n'Roll'
NO ATOR-AUTOR AMERICANO ERIC BOGOSIAN, COMO SE PERCEBE A CADA NOVA MONTAGEM, O HUMOR É UMA ISCA PARA APROXIMAR E CRAVAR UM PREGO NA CABEÇA DO ESPECTADOR, SOBRETUDO NOS HOMENS
NELSON DE SÁ DE SÃO PAULOEric Bogosian surgiu com uma geração de atores-autores de monólogos, na Nova York dos anos 1980, ecoando no teatro a explosão da comédia stand-up engajada das décadas anteriores.
Spalding Gray, contemporâneo e amigo seu, era mais abertamente confessional, falando de temas como suicídio. Bogosian representava personagens --só foi falar como "Eric" em texto posterior-- que pareciam pagar o preço pelos excessos dos anos 60 e 70.
Como o vício, tema deste "Sexo, Drogas e Rock'n'Roll", de 1987 e montado agora, em parte, no Brasil.
Como evidencia Bruno Mazzeo, em interpretação até mais cortante do que a original de Bogosian, o que não é nada fácil, o texto não é datado. Ou melhor, representa agora --e talvez tenha sido sempre esta, na verdade, a sua essência-- um rito de passagem ou de revisão.
Mais do que crítica social-comportamental, o mendigo viciado e o roqueiro lesado, por exemplo, das duas primeiras cenas do monólogo, são projeções alegóricas e exageradas de Bogosian --e também de Mazzeo, já não tão jovem nem disposto a se restringir à sua imagem pública.
É inteiramente um outro ator que se vê no palco, avesso à piada, com uma concentração arrebatadora.
Uma prova, logo na estreia: o pequeno microfone descolou do rosto e durante toda a apresentação Mazzeo o segurou com uma das mãos ou simplesmente o abandonou, deixando-se focar nas palavras --e levando o público a igual concentração.
Sete anos atrás, outro comediante brasileiro, Hugo Possolo, havia recorrido também com ótimo resultado a um monólogo de Bogosian para retratar um momento de maturidade e perda de ilusões, no caso políticas, com "Prego na Testa", originalmente de 1993.
No ator-autor americano, como se percebe a cada nova montagem, o humor é pouco mais que uma isca para aproximar e cravar um prego na cabeça do espectador, sobretudo nos homens.
LED ZEPPELIN
Na origem, os personagem machistas e grosseiros de Bogosian eram sua resposta à hipocrisia masculina das décadas anteriores, que se fazia hippie, "era de Aquarius", sem ser. Hoje poderiam passar por "politicamente incorretas", como no stand-up paulistano mais reacionário, mas não é o que acontece.
São personagens amargos demais, quase trágicos, trazendo à tona o lado escuro dos próprios comediantes.
A colorida encenação de Victor Garcia Peralta para "Sexo, Drogas e Rock'n'Roll", com trilha pontuada por Led Zeppelin e outros e com cenário entrecortado que serve de tela para projeções pop, tão diferente da original, ajuda a preparar a armadilha.