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Opinião

Fernando Peixoto teria muito a ensinar ao teatro feito hoje

O encenador gaúcho morreu em SP no domingo, após a retirada de um tumor, aos 74

ULYSSES CRUZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Maurício e Beatriz Segall eram os donos do Theatro São Pedro nos distantes anos 70.

Empresários ousados, tiveram a coragem de produzir naquela época peças que jamais serão vistas nestes tempos de pobreza intelectual.

Entre tantos textos essenciais, tiveram a ideia de encenar "Frank V", de Dürrenmatt, autor "difícil" que escrevera uma peça para falar mal do mundo capitalista. Uma sátira, uma parábola, um ícone, uma maravilha.

Fernando Peixoto foi chamado para dirigir as complicações propostas pela temática provocativa do texto, de difícil execução. Para mim, ele era um ator de montagens antológicas do Oficina e estava se firmando como diretor.

Era o que eu pensava.

"Frank V" é aquele tipo de peça que requer um espetáculo, uma superprodução: um pesadelo para o diretor.

Estive lá. Jamais esqueci.

O engajamento político e a precisão com que o diretor orquestrava tudo naquele palco enorme era emocionante. Era teatro raro. Era o que Peixoto sabia fazer de melhor e era o que de melhor o teatro desse país já havia criado.

Seguiram-se outras memoráveis encenações, como "Um Grito Parado no Ar", de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006); mas "Frank V" me fez ver que teatro requer personalidade e que um bom diretor é um segundo autor.

Tive a sorte de poder convidá-lo em 89 para fazer "A Cerimônia do Adeus", de Mauro Rasi (1949-2003), na produção de Marcos Frota.

O papel de Sartre nessa peça exige um ator com credibilidade intelectual, alguém que a plateia reconheça ser um merecedor de tal honra.

O que Fernando deu ao papel foi uma interpretação politizada, fazendo com vigor heroico e juvenil as falas do personagem, transformando em divertida teatralidade os devaneios do "alter ego" de Rasi -que, a meu ver, é o personagem central da peça.

Nesse tempo pude me aproximar do Fernando e de admirador passei a amigo.

Ele tinha enorme carinho pelo teatro e pelos que nele trabalhavam. Era divertido, sem vaidade e sabia tudo do ofício; mas, como estava sempre pronto a aprender, mais indagava do que respondia.

O teatro que ele talvez gostasse de fazer e assistir não existe mais. Existe outro, que muito se enriqueceria se buscasse se inspirar em Peixoto.

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