Vida e obra de Mário são indissociáveis, diz autor
Estudioso destaca, em livro, tensões que atravessaram vida do modernista
Embora vários livros de cartas venham sendo publicados, uma única permanece lacrada no acervo de Bandeira
Para Eduardo Jardim, autor de "Eu Sou Trezentos", vida e obra de Mário de Andrade são indissociáveis. "É difícil falar da produção dele sem se referir à trajetória pessoal, porque foi uma vida dedicada a um projeto, junção exemplar da vida com a proposta intelectual, a produção literária, a atuação política."
O autor destaca a depressão vivida pelo modernista quando, à frente do Departamento de Cultura de São Paulo, viu seu projeto ser, em 1937, repentinamente "desmontado pelo Estado Novo" --Mário sentiu-se, como disse, "especialmente deserto".
Situações extremas e tensões como essa atravessaram toda a vida do escritor. Por conta delas, e também de confissões, partes de sua vastíssima correspondência com nomes como Manuel Bandeira, Oswald de Andrade (amigo e depois desafeto) e Drummond, acabaram censuradas.
"Muita coisa deve ter sido cortada no conjunto da correspondência, a seu pedido ou por iniciativa dos amigos", anota Jardim no livro, em referência a edições que Bandeira fez ao editar, em 1958, cartas recebidas do amigo, retirando trechos que poderiam soar ofensivos a colegas.
Uma dessas precauções gerou um mistério relativo à troca de cartas com Bandeira.
Quinze cartas enviadas pelo autor de "Macunaíma" entre 1928 e 1935 estão hoje no acervo de Bandeira, na Casa de Rui Barbosa, no Rio, mas apenas 14 delas podem ser acessadas por pesquisadores. Uma única está lacrada, numa gaveta separada.
Acredita-se que nela Mário de Andrade fale abertamente de sua homossexualidade --embora tenha dado pistas sem fim em outras cartas e em sua obra, como no caso do conto "Frederico Paciência". Embora a existência da carta já tenha sido até noticiada na imprensa, quem conhece o caso hesita em comentá-lo.
"Tomei conhecimento dela há mais de 20 anos, mas nunca mais a vi. Parece que a família tem pedido para que continue reservada", diz Júlio Castañon Guimarães, pesquisador aposentado da Casa de Rui. Carlos Augusto de Andrade Camargo, sobrinho de Mário, diz que o pedido partiu do próprio Bandeira.
De todo modo, o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), que guarda 7.000 cartas recebidas por Mário e cerca de 1.000 enviadas por ele, vem editando com a Edusp uma série a partir desse material. Neste ano devem sair um livro com a correspondência com Alceu Amoroso Lima e outro com Nilton Freitas.
Até a Flip, a Nova Fronteira, que edita a obra literária de Mário junto com o IEB, publicará um volume de contos e crônicas; uma versão em HQ de "Macunaíma", com roteiro de Izabel Aleixo e ilustrações de Kris Zullo; e o romance inédito "Café".
Esse romance, iniciado em 1925 e centrado na história de um cantador nordestino, ocupou boa parte da vida de Mário, tendo excertos publicados em revistas e no jornal "Folha da Manhã".