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Jornais do Irã festejam Globo de Ouro

Contrariando hostilidade habitual a Hollywood, mídia oficial comenta prêmio dado pelos EUA para 'A Separação'

Diretor teve licença para filmar anulada por duas semanas ao defender cineastas reprimidos pelo governo iraniano

SAMY ADGHIRNI
DE TEERÃ

Do ódio à resignação. Autoridades do Irã engoliram a hostilidade a Hollywood e festejaram a conquista, no domingo, do Globo de Ouro de melhor filme em língua estrangeira para o longa "A Separação", de Asghar Farhadi.

O Ministério da Cultura e Orientação Islâmica, responsável pela censura imposta a filmes e artistas americanos há 33 anos, parabenizou Far- hadi por ter "vencido preconceitos anti-iranianos".

"Sábias avaliações ergueram este filme ao pódio dos eleitos", disse o vice-ministro Javad Shamaghdari.

Tom semelhante foi usado por boa parte da mídia estatal.

O jornal conservador pró-regime "Ettelaat" disse que a entrega do prêmio pela cantora Madonna -cujas músicas e fotos são banidas no Irã- foi de "tirar o fôlego".

Segundo o jornal, Madonna "parecia feliz por ter sido honrada com a responsabilidade de conceder o prêmio".

Farhadi evitou apertar a mão da cantora para não se expor a críticas domésticas, já que a lei iraniana proíbe contato físico entre homens e mulheres não casados.

Outro jornal governista, "Iran", disse que o Globo de Ouro sela "mais uma brilhante conquista" para Farhadi.

O site da agência de notícias Irna, ligado ao presidente Mahmoud Ahmadinejad, traz extensa lista de prêmios conquistados pelo longa, inclusive o de melhor filme de 2011 concedido pelo "Wall Street Journal", publicação tida como "sionista".

Mas a reação ufanista e elogiosa não foi unânime.

Porta-voz do Ministério das Relações Exteriores criticou o fato de "A Separação" ter como tema central "a pobreza e as dificuldades enfrentadas pela população".

"Nossos artistas não deveriam ignorar os muitos aspectos positivos de nossa nação [nem] ilustrar o tipo de realidade que os organizadores de festivais gostam de ver."

Apesar de abordar temas tabus como a relação entre homens e mulheres, a modernidade e o sistema jurídico arcaico, o filme recebeu aval das autoridades para ser rodado no Irã, onde teve sucesso.

Não está claro se o filme foi autorizado porque a censura fez vista grossa ou porque o governo não detectou o teor político implícito.

Mas o fato de uma das principais cerimônias cinematográficas norte-americanas merecer atenção e elogios do regime por si só é uma reviravolta no Irã.

O governo iraniano abomina Hollywood, que considera um lugar dominado por lobbies pró-Israel e onde o islã é sempre o vilão.

Uma das razões que motivaram o recente fechamento da Casa do Cinema, epicentro da vida cinematográfica de Teerã, foi o convite a uma delegação da Academia de Cinema dos EUA, que visitou o Irã em fevereiro de 2009.

Diretores da casa foram convocados a se explicar diante de parlamentares furiosos com o que viam como concessão aos inimigos.

A situação se agravou meses depois, quando diretores e atores apoiaram protestos devidos à reeleição de Ahmadinejad. Muitos foram presos, entre eles Jafar Panahi.

O próprio Farhadi teve sua licença para filmar "A Separação" cassada durante duas semanas, em 2010, por ter defendido cineastas alvos da repressão do governo.

Farhadi recuperou a permissão depois de se retratar.

REAÇÃO POPULAR

Entre a população iraniana, a obra gerou reações contraditórias. Uns adoraram e se sentiram orgulhosos com a conquista, vista inclusive como vitória diplomática.

Mas há quem critique o filme por trair o estilo iraniano. "É uma obra com técnica ocidental e voltada para o público ocidental, não tem o brilho dos outros filmes de Farhadi", diz a estudante Y.H., 26.

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