Crítica Literatura/Conto
Escritos novos e antigos mostram autora com um texto mais afiado do que nunca
NA OBRA DE IVANA, NÃO HÁ PODER MASCULINO QUE DESTRUA UMA MULHER QUE NÃO TEME SE VER COMO 'LOBA FAMINTA E BANGUELA'
BEATRIZ RESENDE ESPECIAL PARA A FOLHAIvana Arruda Leite lançou dois livros de uma vez no final de 2014. O primeiro é "Contos Reunidos", com textos publicados de 1997 a 2005 em três livros que definiram sua trajetória peculiar, com a voz de narradoras predominantemente mulheres. O tom marcado desde os títulos: "Histórias da Mulher do Fim do Século", "Falo de Mulher" e "Ao Homem que Não me Quis".
O segundo é o novo volume de contos, "Cachorros". Em seminário recente, a autora declarou que estava esvaziando um baú que levara anos enchendo.
A leitura de "Cachorros" logo tranquilizará o leitor --a escritora está com sua pena mais afiada do que nunca e com os hormônios criadores nitidamente em alta.
No primeiro dos livros republicados, um microconto intitulado "Cadela", resumia as dondocas que podiam ser felizes com seus donos/maridos.
Neste, aparece sobretudo o outro lado. Oportunistas, fingidos, infiéis ou frágeis, dependentes e inseguros, a verdade é que nenhum homem presta. Mas o interessante é ver como os dois gêneros convivem, como se suportam, como a humanidade, enfim, se reproduz e as duas partes sobrevivem.
São breves tragédias cotidianas, construídas por quem domina as estratégias narrativas com tal habilidade que pode chegar a colocar o conflito dramático de toda uma existência em apenas duas páginas.
As tragédias vão se transformando em tragicomédias justamente quando se tornam mais pungentes. O ingrediente fundamental é o humor, predicado, convenhamos, pouco comum em escritoras mulheres.
O humor desconstrói o drama e altera qualquer relação de poder. Nos contos de Ivana, a autoironia que as vozes femininas dominam se transforma em arma poderosa.
Não há poder masculino que possa destruir uma mulher que não teme se ver como "loba faminta e banguela". Aí elas podem amar os cachorros. "Na impossibilidade de comer um homem, comi uma truta com amêndoas que custou metade do meu salário". É ainda o viés do humor que se estende, sarcástico, até o erótico, ou a fantasias meio pop.
A marca da escrita de Ivana, que se repete tanto nos livros compilados como no novo, é o ritmo marcado, rápido, de urgência, de vida em soluços, em sustos, mas sem nenhum tempo a perder em lamúrias ou melodramas. O sofrimento de amanhã não impede o prazer de hoje.
Os homens são mesmo uns cachorros, mas não custa sonhar com algum quase príncipe encantado. Caso não venha, serve mesmo o sapo.
Se precisar dar um presente para aquela amiga especial, a ideia está aí. Mas se os homens o lerem, a vida pode ficar mais fácil.