Acervo não está em risco, diz presidente de biblioteca
Renato Lessa, da Biblioteca Nacional, discorda de alerta de servidores
Para especialistas, temperaturas acima de 30ºC, como as da instituição no verão, aceleram a degradação
Em meio a reclamações de servidores, que fizeram uma paralisação na terça (27) em protesto pelo calor na Biblioteca Nacional, alegando que o acervo corre risco, o presidente da instituição diz que a temperatura não afeta os livros abrigados no prédio, no Rio.
Segundo os servidores, a temperatura na biblioteca chega aos 40ºC. Renato Lessa, o presidente, diz apenas que são superiores a 30ºC e que, "nas condições atuais, os livros não estão em risco".
Em 2013, ao assumir o cargo, Lessa dizia que o calor era "horrível para os livros". Na ocasião, fora informado de que a temperatura beirava os 50°C no verão. Meses depois, houve uma reforma emergencial no ar refrigerado, mas servidores dizem que a situação não melhorou muito.
Lessa se baseia em Jayme Spinelli Jr., coordenador de preservação da biblioteca, para descartar o risco ao acervo, o maior da América Latina.
Spinelli diz que a temperatura é mais baixa no acervo de livros raros, mais sensíveis. Mas, para ele, embora o calor acima de 30ºC seja "inadequado", não representa risco aos outros livros.
"Estamos num verão atípico, mas o pequeno espaço de tempo em que essa temperatura acontece não configura um desastre para o acervo."
A visão da dupla é diferente da de Thais Almeida, conservadora-restauradora na instituição. À rádio CBN, na quarta (28), ela afirmou que "há evidências de que o acervo vem sofrendo com a alta temperatura. O papel fica frágil, quebradiço".
Lessa diz que "faz todos os esforços" para corrigir a situação. Na quarta (28), foi aberta uma licitação para reforma da parte elétrica do edifício, necessária à implantação de um novo sistema de ar refrigerado. É um trabalho lento devido à idade do prédio, de 1910. O novo ar deve ser instalado em três anos.
TERMÔMETROS
Na quarta, o termômetro registrava, no final da tarde, 35ºC no andar mais alto do armazém de obras gerais, onde faz mais calor --a claraboia acima passa por reforma para amenizar esse efeito.
A Folha consultou quatro especialistas em acervos, e todos dizem que essa temperatura acelera a degradação.
O padrão ideal para acervos é de 20ºC a 22ºC, com umidade em torno dos 50%, embora, como diz Sergio Burgi, coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles, hoje exista menos rigidez nisso.
"Acervos são mais resistentes do que se pensava a oscilações sazonais, podendo ficar um pouco acima ou abaixo do padrão, sem consumir tanta energia", diz Burgi. Ainda assim, o máximo aceitável seria de 24ºC, segundo ele.
Ísis Baldini, uma das mais reconhecidas conservadoras-restauradoras do país, diz que, a cada aumento de 10ºC, "as reações químicas no objeto dobram. Se um papel em processo de acidez fosse chegar num ponto xis em dez anos, chegará em cinco."
O próprio Spinelli é ainda mais incisivo no "Plano de Gerenciamento de Riscos" da Biblioteca Nacional, escrito com José Luiz Pedersoli Jr., ao dizer que "o tempo de vida útil das coleções é reduzido pela metade" a cada 5°C.
Entre os problemas causados pelo calor, está a oxidação, que amarela e enfraquece as páginas. Não é um processo "radical", diz Burgi, mas "decorrente do acúmulo no tempo" --e, para Spinelli, na biblioteca não há esse acúmulo, já que é menos quente nas outras estações.
O calor também não impacta tanto, diz ele, porque a umidade fica em torno de 50%. Para Baldini, é muito difícil estabilizar a umidade sem climatização nem desumidificadores. Embora a biblioteca não tenha um nem outro, Spinelli diz que a umidade nunca foi uma ameaça.
Há ainda os riscos de oscilações de temperatura. "Elas causam efeito sanfona perecível. Se esfria, o material contrai; se aquece, expande", diz o restaurador-conservador Ulisses Mello. Spinelli minimiza esse efeito no Rio, onde, diz, as temperaturas são relativamente estáveis.