Crítica Teatro/Comédia
'Animais' e 'Reality' consagram voz singular de dramaturga
Em "Animais na Pista", tanto Sabrina Greve como Gustavo Vaz mantêm a toada de humor, no desenrolar de um triângulo amoroso.
Mas esta é uma comédia que mostra, acima de tudo, a adequação perfeita da interpretação de Marta Nowill, a maneira como ela pausa, explora silêncios e olhares, expõe confusão em sua própria fisionomia, com as palavras da autora Michelle Ferreira.
Apoiada em um texto singular, de ironia intermitente, renovada a cada frase, Marta é um espetáculo à parte.
Quanto a Michelle, ao lado de Leonardo Moreira, ela é uma das vozes especiais surgidas na dramaturgia recente. Suas referências são antes os roteiros anglo-americanos, séries inclusive, do que alguma tradição teatral europeia.
"Animais" é seu primeiro texto mais diretamente sobre o amor --e também amizade. E é aí, na abordagem inicialmente cínica, só aceitando expor sentimentos após explorar os interesses mesquinhos e o egoísmo, que alcança tensão de grande teatro.
Concentrada em texto e personagem, é uma peça de encenação difícil em palco tão amplo. As cenas se passam em espaço reduzido, sufocante, o que acaba se perdendo, em parte ao menos.
Mas figurinos, quase prêt-à-porter e propositalmente inadequados, e cenografia, como uma mesa que poderia ser cama de necrotério, refletem bem a superficialidade moderna indicada no texto.
Também escrita por Michelle, "Reality (Final)" traz o mesmo bate-estaca de niilismo e humor, de tiradas como "Eu sinto muito por não sentir nada". E novamente é uma intérprete, Maura Hayas, no papel de uma atriz veterana que aceita entrar num "reality show" para doentes terminais de câncer, quem incorpora mais perfeitamente os diálogos cômicos.
Embora tenha uma trama paralela e contrastante sobre a relação entre mãe e filha, esta interpretada com correção pela própria Michelle, trata-se sobretudo de uma crítica --quase tópica, como um estudo-- ao pós-modernismo da "realidade" construída para consumo de massa.
Um maior desenvolvimento do amor mãe-filha talvez diminuísse essa sensação. Mas a peça funciona bem como comédia, até mais que "Animais", talvez pela experiência da Má Companhia Provoca com a linguagem da autora. A atriz André Corrêa, em particular, tira proveito de seu humor.
Por outro lado, a produção do grupo tem limites flagrantes em cenografia, figurinos e até mesmo maquiagem.