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Crítica romance Paulo Leminski anarquiza as normas da ficção em "Agora É que São Elas" ALCINO LEITE NETOARTICULISTA DA FOLHA "Agora É que São Elas" (1984), de Paulo Leminski, agora republicado, costuma ser lido ora como um livro brincalhão e inócuo, ora como um confuso e frustrado experimento romanesco. Não sejamos preguiçosos e façamos jus a este livro que a crítica empedernida pôs no limbo: trata-se de uma inventiva, arrojada e divertida criação da prosa brasileira. Estudando os contos populares, o pesquisador russo Vladimir Propp (1895-1970) concluiu que todos eles, apesar das diferentes peripécias que descrevem, possuem a mesma estrutura narrativa, baseada em 31 funções, que sempre se repetem em todas as histórias e segundo uma mesmíssima ordem. Leminski (1944-1989) constrói o seu livro com 31 capítulos, segundo a ordem descrita por Propp, mas desorganizando e confundindo a morfologia "tirânica". O narrador, que faz as vezes de herói (no caso, de anti-herói), é ao mesmo tempo uma presa do esquema narrativo imutável e um "actante" (no jargão da linguística) rebelde, que luta para não passar por inútil e ser ejetado da história. A história vai e volta ao mesmo ambiente: a casa onde vive o psicanalista Propp -misto de demiurgo, vilão e Freud (sic)- com sua sedutora filha, Norma. Uma festa, cuja razão de ser desconhecemos, centraliza a "ação", pontuada por relatos sobre uma guerra travada em outra galáxia. O autor prolifera lacunas na narrativa, enquanto reduz a psicologia ao burlesco e transfigura em nonsense as representações romanescas. Há sempre algo que o protagonista não sabe, e o mesmo ocorre conosco, os leitores (que estamos todos presos à festa na Terra e ao nosso papel na vida, cujo sentido, afinal, nos escapa). Com sua prosa leve e safada, mas também muito reflexiva, "Agora É que São Elas" é um romance-jogo, feito para anarquizar as normas da ficção e fazer o leitor experimentar, sem amarras, a invenção literária.
AGORA É QUE SÃO ELAS |
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