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"Entre a Luxúria e o Pudor", livro do pesquisador Paulo Sérgio do Carmo, reúne os principais relatos sobre a vida sexual dos brasileiros, de 1500 até hoje

Ilustração Lambuja

MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO

Na carta em que narrava o descobrimento do Brasil, o escrivão português Pero Vaz de Caminha (1450-1500) já comentava, além da riqueza da fauna e da flora, outro patrimônio nacional: a graciosidade das formas femininas aqui encontradas.

Num dos trechos, diz ter topado com uma índia bem moça, "tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela".

A carta de Caminha, espécie de certidão de nascimento do país, inaugurou também a tradição de relatos de europeus sobre a sexualidade no Brasil. Nascia ali a ideia de "paraíso sexual" que se forjou entre nós.

Parte dessa construção é tema do professor Paulo Sérgio do Carmo, 61, no livro "Entre a Luxúria e o Pudor - A História do Sexo no Brasil".

Durante quase 14 anos, ele reuniu alguns dos principais textos já escritos sobre a "vida íntima" dos brasileiros.

Formado em sociologia, mestre em filosofia, Carmo é conhecido no meio acadêmico por suas pesquisas sobre a história do trabalho e a sociedade pós-industrial. Até lançar "Entre a Luxúria e o Pudor", o deleite do filósofo Merleau-Ponty (1908-1961) diante de pinturas de Cézanne (1839-1906) era o que de mais sensual havia descrito.

O "desbunde" acadêmico de Carmo, digamos assim, veio da leitura de textos do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987).

"Ele escancarou a sexualidade brasileira para o mundo como uma característica positiva do nosso povo", diz.

Não por acaso, uma citação célebre de Freyre abre o livro: "O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual".

Instigado, Carmo resolveu pesquisar os relatos dessa intoxicação e organizá-los cronologicamente.

500 ANOS DE SEXO

O material reunido inclui cartas, documentos, livros consagrados, memórias e entrevistas. Dos encontros com as índias atrás das moitas à revolução sexual do século 20, o volume perfaz 500 anos de história do Brasil.

"Não quis fazer uma reflexão de base psicanalítica ou filosófica. Busquei a intimidade do quarto, valendo-me de quem vivenciou realmente o tema", diz ele.

Até por isso, as narrativas coletadas dão provas da gama de sentimentos e opiniões que o sexo despertou entre nós ao longo dos séculos.

Os relatos seguintes aos de Caminha refletiam o deslumbramento e a aversão que o "estilo natural" dos índios provocavam, muitas vezes ao mesmo tempo, nos europeus.

O jesuíta Fernão Cardim (1540-1625) via na nudez uma prova do "estado de inocência, honestidade e modéstia". José de Anchieta (1534-1597)queixou-se dos pênis excitados à mostra. Já para o historiador Gabriel Soares de Sousa (1540-1591), isso tudo era "coisa que não faz nenhuma nação de gente".

O conflito entre a luxúria e o pudor religioso, que, afinal, dá título ao livro, é para o pesquisador a marca da formação do povo brasileiro.

Um dos capítulos mais curiosos trata justamente das visitas do Santo Ofício português ao Brasil para reprimir os "excessos" cometidos entre brancos e índios, senhores de engenho e escravos, além de práticas consideradas "pecados nefandos", como o bestialismo e a sodomia.

Vasculhando os arquivos da Inquisição, Carmo narra o caso de um garoto de 17 anos que, no início dos anos 1590, foi condenado a cinco anos de exílio em Angola por "atos masturbatórios".

Quase quatro séculos depois, os jovens Erico Verissimo (1905-1975) e Pedro Nava (1903-1984) foram assombrados pela mesma tentação, narrada depois em memórias. O volume traz ainda depoimentos sobre as iniciações sexuais de Oswald de Andrade (1890-1954) e de Paulo Francis (1930-97), entre outros.

Diante da variedade e da riqueza dos relatos, pode-se concluir que escrever sobre sexo é outra mania nacional.

"Mas, nesse assunto, é sempre bom ficar com um pé atrás. As pessoas costumam exagerar", argumenta Carmo.

"Não somos tão liberais e livres de preconceitos quanto queremos parecer. Obviamente não somos esse 'paraíso sexual', mas também não chega a ser um inferno."

ENTRE A LUXÚRIA E O PUDOR
AUTOR Paulo Sérgio do Carmo
EDITORA Octavo
QUANTO R$ 68 (448 págs.)

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