Rubens Fonseca, José
A três dias dos 90 anos, escritor puxa ferro na academia 3 vezes por semana e vibra com vitórias do seu 'Vascão'
Poucas coisas se parecem menos com uma reclusão do que a propalada reclusão de Rubem Fonseca.
Nos arredores da praça Antero de Quental, perto da praia do Leblon, onde fica o prédio dele, muitos já trocaram palavras com o "fofo", "doce", "gentil" Rubem, escritor que renovou o conto brasileiro no século 20.
A fama decorre da decisão de não conversar com jornalistas sobre sua obra, algo que não faz há meio século.
Conhecido por aceitar convites para eventos no exterior na mesma proporção em que os recusa no Brasil, porém, o autor de "Feliz Ano Novo" (1975) e "A Grande Arte" (1983) perdeu um bocado do mistério nos últimos anos, quando vídeos desses festivais pipocaram no YouTube.
Prestes a fazer 90 anos, na segunda (11), ainda morando sozinho, o mineiro radicado no Rio desde a infância reduziu o ritmo de suas caminhadas pelo Leblon, mas escreve todos os dias e puxa ferro três vezes por semana numa pequena academia, à qual chega antes das 7h da manhã.
A redução dos passeios no calçadão decorreu de uma artrose num dos joelhos, diagnosticada há quatro anos.
O problema o levou a incluir uma bengala ao visual, há décadas composto por um boné cobrindo a careca (Rubem raspa os fios das laterais, o que lhe dá um aspecto mais jovem), óculos de sol, camiseta, calça comprida e tênis.
Na última segunda (4), quando Rubem saía da academia carregando um "Lance!" com a chamada para a vitória, no dia anterior, do seu "Vascão" --costuma mandar e-mails a amigos com "saudações vascaínas"--, a bengala quase não tocava o chão. Não parecia fazer falta ao autor, de ombros fortes e passos lentos.
Em 2013, ele travou uma espécie de amizade com o Metrô do Rio, que vem fazendo obras para uma estação na Antero de Quental. Naquele ano, o Consórcio Linha 4 divulgou dois vídeos, um deles de quando Rubem apadrinhou um ipê da praça e o outro quando deu nome a uma sala de leitura para operários.
Neste, agitando os braços, como um showman, diz que "ler nos torna melhores, permite que a gente entenda melhor o outro e a nós mesmos".
Em 2012, já haviam circulado vídeos como um gravado em Lima. "Vamos, gente, estão com medo? Yo soy um homem peligroso", diz, no mais perfeito portunhol, pedindo perguntas ao público.
Por aqui, já recusou três vezes a Flip, inclusive neste ano, e pensou por uma semana antes de declinar o convite para representar o Brasil na Feira de Frankfurt 2013.
A explicação dele, segundo a filha Bia Corrêa do Lago, 59, editora, é que o assédio atrapalha. "Se aparecer demais, perco minha matéria prima, poder observar", costuma dizer ele, de acordo com Bia, irmã do fotógrafo Zeca Fonseca, 57 e do cineasta José Henrique Fonseca, 50.
No Brasil, há mais de uma década resenhistas dizem que Rubem Fonseca se repete, se perdeu. Não foi diferente com o recente "Histórias Curtas" (leia abaixo).
O escritor português Francisco José Viegas vê injustiça na cobrança por um Rubem "sempre genial". "O autor de livros como 'A Grande Arte' precisa estar sempre no fio da navalha, e alguns livros vão chegar lá e outros não."
Reconhecido por ter impulsionado, inclusive com leituras prévias, a carreira de autores como Patrícia Melo e Jô Soares, Rubem não mostra seus textos a ninguém antes de enviar à editora. Mas, segundo Maria Jeronimo, que o edita na Nova Fronteira, é um escritor fácil de lidar.
'LAW & ORDER'
Rubem (ou Zé, ou Zé Rubem, como preferem os amigos) não dá entrevista, mas ajuda. Repassa à editora e à filha respostas a dúvidas da reportagem --embora elas só se ofereçam para checar com ele temas amenos, como de que séries gosta ("Law & Order" é a preferida).
Chega a sugerir fontes como o amigo de décadas Deonísio da Silva, autor de "O Caso de Rubem Fonseca", e Arnaldo Jabor, que filmará o conto "O Livro dos Panegíricos".
Em relação a temas delicados, os amigos desconversam, como se soasse o alerta Rubem Fonseca de indiscrição. Nesta leva sua saída da Companhia das Letras, em 2009. Em 2010, a Folha revelou que o rompimento decorreu da recusa da editora em publicar "Gonzos e Parafusos", romance de Paula Parisot, amiga e pupila indicada por Rubem.
Naquela ocasião, a situação já não era das melhores. Rubem vinha se sentindo desprestigiado pela editora que pela qual ao longo de 20 anos vendera 830 mil exemplares. Chegara a pedir um adiantamento alto, recusado.
Disputado por sete editoras, fechou com a Agir por mais de R$ 1 milhão (depois sua obra passou para a Nova Fronteira, do mesmo grupo Ediouro).
O tema mais delicado de todos --as especulações em torno de sua atuação, nos anos 1960, no Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, órgão ligado à ditadura-- levou Rubem a se manifestar. Em artigo na Folha em 1994, disse nunca ter sido "favorável à ruptura da ordem constitucional em nosso país".
Viúvo desde 1997, quando sua mulher, Thea Maud, morreu com uma doença degenerativa, Rubem tem "muitas amigas", como informa todo mundo que o conhece. "Não bebo, não fumo, mas fodo", disse a amigos poucos anos atrás, já na casa dos 80.
Procurado por e-mail, telefone e bilhete na portaria de seu prédio, Rubem não deu retorno.