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'Cultura para pobres não pode ser pobre'

Arquiteto italiano Stefano Boeri coordena projeto que vai repensar favelas e assentamentos informais em SP

Ele propõe 'acupuntura urbana' para sanar zonas de crise, como a cracolândia, e propõe verticalização verde

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Stefano Boeri vê nas zonas degradadas no miolo das grandes cidades não um "câncer" a ser extirpado, mas um indício dos impactos da globalização sobre o urbanismo praticado no mundo. E acredita que essas zonas devem ser remediadas com uma "acupuntura urbana".

Tanto que, no centro de Milão, agora esse arquiteto italiano, editor da revista "Abitare" e professor da Universidade Politécnica de Milão, constrói uma floresta vertical, projeto que desafia o tecido cinzento das grandes metrópoles com uma mancha verde que sobe rumo ao céu.

Boeri, que vem ao país nesta semana, também está à frente de um projeto da Secretaria Municipal da Habitação de São Paulo que convidou representantes de cidades como Bagdá e Medellín para debater questões ligadas a assentamentos informais.

Em tempos de limpeza violenta e controversa na cracolândia e diante dos desafios de São Paulo, Boeri, 55, deu entrevista à Folha, por telefone, de Milão.

Folha - Seu projeto reúne especialistas de Bagdá, Medellín, Moscou, entre outras. O que elas têm em comum?
Stefano Boeri - Todas têm zonas de assentamento informal, favelas, bairros autoconstruídos. Esses bairros não são um câncer nem um apêndice, são zonas fundamentais, centrais às cidades. Muitas vezes, pensam em eliminar, demolir ou deslocar esses assentamentos, mas essa é uma visão equivocada.

Como vê o caso paulistano?
São Paulo inaugurou uma lógica interessante de usar esses espaços de acordo com uma acupuntura urbana, de modo que novos espaços possam ser gerados. A estratégia de extinguir comunidades no centro de uma cidade, como nos Estados Unidos nos anos 80 e 90, não funciona.

Como funciona essa acupuntura aplicada à cidade?
A ideia é valorizar essas áreas, com a qualidade mais alta de serviços, como bibliotecas. A cultura levada à periferia não pode ser uma cultura periférica. Cultura para os pobres não pode ser pobre.
Em Medellín, as bibliotecas e os parques foram feitos pelos melhores arquitetos. É algo excepcional, que segue essa lógica de acupuntura.

Que lição fica da ocupação das praças e ruas nos movimentos de protesto do ano passado?
Isso demonstrou que o centro de uma cidade enorme ainda é seu ponto mais democrático e expressivo. Madri e Nova York viraram lugares simbólicos em que se mostrou uma vontade de criar outra ordem política.
Muito se fala em cidades policêntricas, mas há uma mudança nesse conceito. As coisas importantes continuam acontecendo no centro físico, geográfico das cidades.

Seu projeto de floresta vertical em Milão segue essa lógica de repensar o centro?
Em vez de mármore ou concreto, fiz uma fachada com mil árvores. São de verdade. Penso em como a natureza pode ajudar a sustentar um edifício, mesmo em áreas de grande densidade urbana, como o centro de Milão. É como um bosque em forma de torre no coração da cidade.

Mas a verticalização ainda é uma saída inteligente para as grandes metrópoles?
Não devemos deixar de crescer em direção às estrelas. É possível crescer dentro das dimensões da cidade. É um erro estender zonas urbanas e diminuir a superfície agrícola, como acontece hoje na Itália, na Alemanha e na França. As cidades devem almejar não ter uma dimensão infinita, e sim reocupar suas zonas centrais. Caso contrário, teremos cidades desertas.

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