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Livros crítica novela

"Minha Vida", de Tchékhov, não escapa do esquematismo

Trama do escritor russo ganha relevo na parte final, que traz frases fortes

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

No bom posfácio que acompanha a sua tradução de "Minha Vida", de Tchékhov (1860-1904), Denise Sales conta que Tolstói (1828-1910) não gostara do texto de seu colega.

O escritor russo teria dito a um amigo: "Há passagens surpreendentes, mas em seu conjunto a novela é fraca".

Escrito entre 1895 e 1896, o texto é narrado em primeira pessoa por Missail Póloznev, jovem que não aceita as imposições sociais advindas da família importante e, após fracassar em uma série de empregos burocráticos, resolve viver uma vida simples, baseada em trabalhos braçais.

Como ele mesmo diz ao pai: "Isso que o senhor chama de colocação consiste em privilégio do capital e da erudição. Quem não é rico nem erudito consegue seu pedaço de pão com o trabalho físico, e não vejo motivo para fazer de mim uma exceção".

O problema é que essa opção não tornou a sua vida mais tranquila ou feliz e, tirando o curto período em que esteve casado, o seu relato rememora momentos de sofrimento e incompreensão.

Com um evidente aspecto de crítica social, a despeito das "verdades" que transmite, "Minha Vida" não escapa de certo esquematismo.

Basta compará-lo, por exemplo, com qualquer romance da fase madura de Machado de Assis (1839-1908) -que divide com Tchékhov, aliás, o posto de um dos principais contistas das décadas finais do século 19, início do século 20- para perceber o quanto um e outro são distintos em termos da materialização artística de realidades, em certos aspectos, similares.

Isso não impede, contudo, que a obra possua trechos marcantes, como apontou Tolstói em seu comentário.

Destaca-se, principalmente, a parte final, na qual não por acaso tudo se acelera, quando o casamento está se desfazendo e o núcleo familiar de Missail (irmã e pai) se rompe de vez.

É o momento de frases fortes, como a que sua mulher coloca em uma carta ("Rompa pois o laço. Um grande abraço ao senhor e à sua irmã. Perdoe-me e esqueça-me") e de um profundo pessimismo, como o da constatação do protagonista em meio a mais uma briga com o pai ("A nossa cidade existe há centenas de anos e durante todo esse tempo não deu à pátria um único homem útil - nenhum!").

Ainda que seja muito, não é o suficiente.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da USP

MINHA VIDA
AUTOR Anton Tchékhov
EDITORA 34
TRADUÇÃO Denise Sales
QUANTO R$ 35 (160 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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