Arranca-rabos e ovações marcam último dia da Flip
Hermínio e Tinhorão trocaram farpas sobre a brasilidade da bossa nova
Aplaudido pela plateia que ficou de pé, músico José Miguel Wisnik fez fala emocionante sobre vida de Mário de Andrade
Debates inflamados, tiradas impagáveis, risadas, aplausos. Foi intenso o último dia da Flip, neste domingo (5).
No ringue da Tenda dos Autores, o gongo soou pela manhã, num arranca-rabo amigável entre o crítico José Ramos Tinhorão, 87, e o músico Hermínio Bello de Carvalho, 80.
"Tenho pena do Tom Jobim. Como pessoa era excelente, mas tinha um equívoco fundamental. Achava que compunha música brasileira", provocou Tinhorão.
"Não acho nada disso que o senhor falou. [...] Tom é um grande compositor, reverenciado por Pixinguinha", respondeu Hermínio.
É notória a fúria de Tinhorão contra parte do nosso legado musical. "Como eu achava que bossa nova era o jazz pasteurizado, o pessoal caiu em cima de mim. Levei muita pancada por sustentar essa tese." Recebeu mais algumas outras de Hermínio, que saiu em defesa da bossa nova. "É samba, sim, é brasileiro, sim."
O debate seguinte trocou as alfinetadas dos dois titãs da música pelas armas bem mais letais da ficção policial.
Os escritores Sophie Hannah (Reino Unido) e Leonardo Padura (Cuba) encaram de maneiras bem distintas a criação de romances de mistério.
Hannah, de "A Vítima Perfeita" (Rocco), declarou inspirar-se em autores da "geração de ouro" do gênero, como Agatha Christie, e criticou o excesso de realismo atual.
Já Padura, colunista da Folha, apontou que suas influências vêm da literatura policial criada nos Estados Unidos.
Para o autor do sucesso "O Homem que Amava os Cachorros" (Boitempo), as tramas policiais são "só um pretexto para falar da sociedade".
ESPELHO DO BRASIL
No último debate desta Flip, o professor da USP, músico e ensaísta José Miguel Wisnik fez uma análise da vida e obra de Mário de Andrade, destacando como a biografia do autor espelha o Brasil.
"Há uma dualidade em Mário --alguém que está voltado para mudar, civilizar o Brasil, e ao mesmo tempo quer deixar-se ir ao fundo dessa sociabilidade mestiça, dessa capacidade lúdica da vida. Isso está presente em 'Macunaíma'."
Wisnik foi aplaudido de pé por um longo tempo após defender o projeto de país de Andrade e criticar os que querem "fazer de tudo para jogar a população jovem, negra e mestiça no esgoto das prisões".
Encerrando o festival, a mesa em que autores escolhem seus livros favoritos teve leituras da americana Ayelet Waldman, do irlandês Colm Tóibín, do argentino Diego Vecchio, dos brasileiros Carlos Augusto Calil e Marcelino Freire, do queniano Ngugi Wa Thiong'o, da portuguesa Matilde Campilho e do australiano Richard Flanagan.