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Música Velada

Artistas do Irã burlam a lei promovendo ensaios clandestinos e buscam autorização para tocar no Ocidente e poder existir

Maryam Rahmanian/Folhapress
MARAL Compõe e canta jazz rock e trip hop em farsi Página no Facebook
MARAL Compõe e canta jazz rock e trip hop em farsi Página no Facebook

SAMY ADGHIRNI
DE TEERÃ

Num quarto apertado e cheirando a mofo, seis jovens com instrumentos tentam se acomodar como podem. Ao sinal do baterista, um nervoso blues em farsi irrompe e eletriza o ambiente.

O ensaio da banda Bomrani corre solto no apartamento do guitarrista, no centro de Teerã, na presença de amigos e amigas (sem véu), e em meio a garrafas de vodca e fumaça de cigarro.

Mas todos os presentes sabem que a polícia moral pode invadir o local a qualquer momento sem mandado de busca, já que o encontro é triplamente ilegal.

Na República Islâmica do Irã, é proibido consumir bebidas alcoólicas, promover contato entre homens e mulheres não casados e também fazer música sem permissão do governo.

Quem canta ou toca fora da lei pode ir preso, pagar milhares de dólares de multa e até levar chibatadas. Mulheres são banidas de qualquer performance musical.

Licenças para shows e álbuns são concedidas pelo Ministério da Cultura e Orientação Islâmica, alérgico ao que chama de "má influência ocidental".

Músicos da cena clandestina ouvidos pela Folha dizem que a polícia apertou o cerco nos últimos anos.

Há quem enxergue nisso o desespero de um regime acuado, por dentro e por fora, que persegue símbolos para manter-se vivo.

FORA DE CASA

Ciente de que jamais será autorizada pelo governo, a banda Bomrani ensaia em casa em segredo e mira fora do país para existir.

O sexteto tem álbum -em farsi-lançado nos EUA e tenta obter, até agora em vão, visto para tocar no Ocidente.

A maioria dos músicos iranianos em busca de público ou mercado faz o mesmo.

A DJ de house e minimal Nesa Azadikhah, 27, já foi a sensação das festas na casa dos ricos ocidentalizados. Hoje ela só se apresenta nos clubes da vizinha Dubai, onde tenta construir carreira.

"Já toquei em festas alucinadas em Teerã, mas muita gente acabou presa. As pessoas agora têm medo de fazer grandes eventos em casa como antes", diz a DJ.

"Só volto a tocar no Irã quando a situação mudar."

A cantora e compositora de jazz rock Maral, 26, sentiu na pele a repressão oficial.

Em 2007, quando ela se apresentava num show clandestino com centenas de pessoas num distante subúrbio de Teerã, a polícia chegou e prendeu todo mundo.

"Fiquei quatro dias na cadeia, acusada de satanismo. Tive de passar uns meses no exterior para esfriar a cabeça", relata, em seu apartamento com gato, cachorro, peixes, iguana e pássaro voando solto pela sala.

Desde então, Maral divulga sua obra na internet e só faz shows no exterior. Ao contrário de muitos, ela obteve visto para tocar na Europa. Mas a experiência não foi suficiente para fazê-la querer sair do país de vez.

"Cantei num festival na Holanda. Foi legal, mas lá fiquei vazia, sem inspiração. Meu universo é aqui no Irã."

Maral diz que a repressão não a impede de se realizar como artista. "As leis são claras, então mudo minha maneira de trabalhar. Crio aqui e me expresso lá fora."

Ela diz ter raiva dos artistas iranianos que fogem para o exterior e "buscam atenção da mídia, se dizendo perseguidos pelo regime".

CONTRAMÃO

A banda de "fusion" Palette ainda está ensaiando em segredo, mas já iniciou os trâmites para ser reconhecida. Canções e letras estão sob a análise do governo.

"Cantei nos EUA com minha banda anterior, mas não colou. Percebi que só o público iraniano pode nos entender", fala o vocalista Omid Nemati, 27.

O clarinetista Ruzdah Esfandarmaz, 27, tem outra versão. "Aqui podemos fazer sucesso para poder ter carrões e namoradas".

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