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Entrevista Zoé Valdés

Fidel criou o produto de marketing que se chama Revolução Cubana

Escritora exilada na França, que lança o livro "O Todo Cotidiano" E estará na Flip, diz que a presidente Dilma deveria conversar com oposição de Cuba

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Pouco antes de a escritora Zoé Valdés nascer em Havana, em 1959, Che Guevara (1928-1967) colocou na barriga de sua mãe uma bandeira cubana. A revolução tinha quatro meses.

O líder Camilo Cienfuegos presenciou a cena. Trinta e cinco anos depois, Valdés se exilou em Paris e passou a ser uma feroz dissidente.

Para ela, a Revolução Cubana é um produto de marketing. Defende que a presidente Dilma Rousseff, que visita o país, se reúna com as oposicionistas Damas de Branco.

Nesta entrevista, concedida por telefone de Paris, ela diz que não é de extrema direita, mas de centro. Votou em Nicolas Sarkozy nas últimas eleições. Estará no Brasil na próxima Flip, que acontece entre entre 4 e 8 de julho.

Folha - Como a sra. começou a escrever?
Zoé Valdés - Por volta dos 11 anos, comecei a fazer diários e poemas. Era asmática e vivia num quarto numa espécie de favela. Minha avó era atriz de teatro e trazia livros e peças para ler.
Lia Júlio Verne, [Charles] Baudelaire, "As Flores do Mal". Minha mãe me deu "Dom Quixote" quando fiz 12 anos. Li "Moby Dick", Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Marcel Proust.

Seu livro "O Todo Cotidiano" é autobiográfico?
É bastante autobiográfico, mas é um romance. O personagem de Yocandra, que é uma mistura de Jocasta com Cassandra, tem muito de mim, mas é um personagem mais de romance do que real. A primeira parte do livro, "O Nada Cotidiano", é sobre o que eu vivi em Cuba no período especial, um momento muito precário, de 1993 a 1994. "O Tudo Cotidiano", a segunda parte, é sobre o exílio, que tem o que vivi misturado com a experiência de outras pessoas.

O tom é muito político. Por que a sra. rompeu com o regime cubano?
Rompi com o regime, mas não com Cuba. Foram eles que romperam comigo. Quando se publicou "O Nada Cotidiano" na França, mandaram uma mensagem dizendo que eu não poderia voltar a Cuba. Sou "persona non grata" em meu próprio país. Mas não acho que seja um livro muito político, é um livro de amor.

Como a sra. explica que o regime continue forte depois de tantos anos?
Fidel Castro, que tinha uma admiração enorme por Hitler, soube aperfeiçoar o horror e criar um produto de marketing que se chama Revolução Cubana. Descendemos dos índios tainos, os mais inofensivos.
Os espanhóis os exterminaram, mas a alma dos tainos ficou. Uma mescla nefasta entre essa inocência e a ignorância dos cubanos permitiu que o regime fosse implantado com tal força. Creio que hoje muito poucos cubanos apoiam esse regime, mas têm medo.

Mas não há coisas boas? A desigualdade é pequena e os sistemas de saúde e educação têm bons resultados, não?
São pontos muito comparáveis com o nazismo. Durante o nazismo, a desigualdade era ótima e a educação era muito boa, os hospitais, extraordinários e a economia, magnífica. Hoje os hospitais para os cubanos são péssimos, e as pessoas morrem por falta de medicamento e de atendimento médico correto.
As crianças cubanas nada sabem da história de Cuba, de José Martí. A única coisa que sabem é que há cinco heróis presos nos EUA, que Fidel Castro é bom. Falam como robôs.

Como explica a força da imagem de Che Guevara?
É uma imagem que surgiu no Maio de 68 aqui da França. É uma foto, mais que um personagem. É um aventureiro, um homem que foi comunista. Apesar dos horrores do comunismo, ser comunista segue sendo positivo para alguns.

O que a sra. pensa da viagem da presidente Dilma a Cuba?
Ela vai por razões econômicas. Tenho grande admiração por Dilma Rousseff. Não tenho nenhuma admiração pelos guerrilheiros nem pelo passado guerrilheiro dessa senhora. Mas essa senhora soube evoluir.
Depois do assassinato de Wilman Villar Mendonza [morto no dia 19/1, em greve de fome], tanto Dilma Rousseff quanto o papa deveriam cancelar suas idas a Cuba. Mas creio que não o farão.
Penso que Dilma Rousseff, que teve um gesto muito bom dando o visto a Yoani Sánchez, tem que compreender é que o problema de Cuba não é somente Yoani Sánchez: são 11 milhões de cubanos que vivem como escravos e presos na ilha de Cuba.
Creio que ela [Dilma] deveria se reunir com a oposição, com as Damas de Branco. Deveria ver a viúva de
Wilman, que perdeu seu marido numa greve de fome. E falar também de economia. Os interesses econômicos às vezes primam desgraçadamente sobre os interesses dos seres humanos.

Um personagem do livro fala que prefere Batista a Castro. A sra. concorda?
Sempre me disseram que Fulgencio Batista (1901-1973) [ditador cubano deposto em 1959] era pior do que Fidel. Mas Fidel, por anos-luz, é muito pior do que Batista.

Como a sra. se define politicamente?
Dizem que eu sou uma pessoa de extrema direita. Não sou de extrema direita. Sempre me identifiquei com a esquerda. Quando me exilei, vi como a esquerda se comportou comigo. Eu me situo numa espécie de centro, de independência política.
Na democracia é preciso ouvir o que as pessoas têm a dizer, à direita e à esquerda. Temos que ouvir a todos.

Qual será o seu próximo livro?
Tenho três romances sobre três mulheres. Dois estão escritos. O primeiro, publicado na Espanha, é "Caçadora de Astros", sobre uma pintora. O segundo é sobre três dias na vida de Dora Maar. O terceiro é sobre a antropóloga cubana Lydia Cabrera. São três mulheres relacionadas com o fascismo e com o comunismo por diferentes razões.

O TODO COTIDIANO
AUTORA Zoé Valdés
EDITORA Benvirá
TRADUÇÃO Ari Roitman e Paulina Wacht
QUANTO R$ 34,90 (320 págs.)

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