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Ginsberg na praça

Correspondência entre Allen e o pai dele, o também poeta Louis, abre série de livros sobre ícone beat

Divulgação
Ginsberg em leitura no Washington Square Park (Nova York), em 66
Ginsberg em leitura no Washington Square Park (Nova York), em 66

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Graças a "Kaddish", o monumental poema que Allen Ginsberg dedicou à sua mãe, Naomi, ela é mais conhecida dos leitores do que o pai do escritor beat, Louis.

Um livro lançado no fim do ano passado no Brasil ajuda a situar melhor a importância da figura paterna para Ginsberg (1926-1997), cuja morte faz 15 anos em abril.

"Negócio de Família" (editora Peixoto Neto) reúne cartas trocadas entre o ícone

beat e o pai dele, que também era poeta, de 1944 a 1976 (ano da morte de Louis).

Até o meio do ano, pelo menos outros dois lançamentos investigam o pensamento libertário de um dos fundadores do movimento de contracultura surgido no fim dos anos 50 nos EUA: a correspondência com Jack

Kerouac e uma coletânea de entrevistas (leia ao lado).

Conhecer o ambiente familiar de Ginsberg é essencial para circunscrever sua obra.

LOBOTOMIA

Naomi era militante comunista, tinha problemas mentais, foi internada e submetida a uma lobotomia. Louis, professor de literatura, escrevia e lia poesia em casa, desde cedo influenciando o filho.

Na introdução de "Negócio de Família", o organizador Michael Schumacher informa que, "ao longo da vida, Allen teria sonhos eróticos envolvendo o pai, que o perturbavam da mesma maneira que os pesadelos com a loucura da mãe e com a culpa que sentia por ter [...] autorizado sua lobotomia".

"Logo percebi que, para entender Allen, tinha de entender a relação dele com o pai, marcada por muito amor, respeito e franqueza", disse à Folha Schumacher, autor também de uma biografia do poeta, "Dharma Lion" (St Martin's Press, US$ 45).

A franqueza de que ele fala é a marca de "Negócio de Família". Praticamente não há assunto proibido na correspondência entre os dois.

A homossexualidade de Allen é um raro tópico não citado diretamente, mas os sinais são claros, como numa carta enviada ao pai em 1948.

"Você presume que todos somos sexualmente estáveis; enquanto, por outro lado, conforme me aproximo das pessoas, descubro que são todos uns pervertidos, pecadores, de um jeito ou de outro."

Em 1959, Allen -poeta e artista experimentalista por essência- dedica numa carta um poema a Louis, em que um dos versos critica o formalismo estético do pai: "Todo o meu ódio pelas formas que você usou".

Em resposta, o velho chia: "Por que você odeia as formas que eu uso? A casa da poesia tem muitas moradas, dentre as quais as formas regulares e o verso livre. A poesia está onde está a poesia".

Quando Allen descreve sua experiência com LSD, o pai a define como "interessante" e discorre longamente e sem censura sobre o tema.

Os debates políticos ocupam parcela significativa da troca entre pai e filho, em geral com discordâncias.

Louis combatia o que considerava "ideias comunistas" do Allen. O filho era contrário ao sionismo do pai e, no início defendia a Revolução Cubana, criticada por Louis.

PRESSA

Allen Ginsberg era um missivista fecundo. Há volumes de correspondências suas com Cassady, Kerouac, Peter Orlovsky etc.

Schumacher, que conviveu com o poeta e teve autorização dele para organizar o livro, comenta que Ginsberg escrevia várias cartas por dia, normalmente com pressa, "com uma ortografia claudicante, erros ortográficos, imprecisões na pontuação".

"Allen sempre escreveu como falou. Ele não tentava soar como um escritor. Uma vez ele me disse: 'Meus poemas são como pequenos gráficos da minha mente."

"Alguns eram ditados num gravador, outros manuscritos no diário. Todos soavam como ele falando. O mesmo ocorre com as cartas: é como se Allen estivesse conversando com você num quarto."

NEGÓCIO DE FAMÍLIA

AUTOR Allen e Louis Ginsberg; edição de Michael Schumacher
TRADUÇÃO Camila Lopes Campolino
EDITORA Peixoto Neto
QUANTO R$ 49,90 (409 págs.)

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