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Análise

Szymborska fazia poesia leve, mas com direção

Escritora polonesa, ganhadora do Nobel em 1996, morreu nesta semana deixando obra profunda e questionadora

Dessa natureza é a poesia de Wislava Szymborska: leve e com direção, determinação, vontade e propósito; nunca aleatória

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

De muito poucos escritores pode-se dizer que sejam -como Wislawa Szymborska (1923-2012), morta na última quarta-feira- tão simultaneamente fulgurantes e discretos, densos e simples, profundos e leves.

Leves no sentido atribuído por Italo Calvino, em seu ensaio sobre a leveza, no livro "Seis Propostas para o Próximo Milênio", em que mostra que a boa leveza é aquela do pássaro e não a da pluma.

Dessa natureza é a poesia de Szymborska: leve e com direção, determinação, vontade e propósito; nunca aleatória. E que não se confunda sua simplicidade -e até delicadeza- com inocência; grandes rasteiras podem ser dadas com um golpe certeiro e coreográfico.

São assim as poesias do livro "Poemas", recentemente lançado no Brasil pela Companhia das Letras e traduzidos com excelência por Regina Przybycien, dessa língua -o polonês-, cujos mistérios, ao menos para nós, só podem ser revelados por uma versão muito especializada, mas que já presenteou o mundo com escritores como Bruno Schulz e Witold Gombrowicz, além da própria Wyslawa.

Ganhadora do Prêmio Nobel no ano de 1996, manteve-se reclusa e avessa aos holofotes na Cracóvia, de onde quase nunca saía.

Embora a musa da poesia não tenha recusado a ela a multidão, parece que a própria poeta cumpriu o destino traçado em um de seus poemas, "Recital da Autora": "Musa, não ser um boxeador é literalmente não existir./ Nos recusaste a multidão ululante./ Uma dúzia de pessoas na sala,/ Já é hora de começar a fala./ Metade veio porque está chovendo./ O resto é parente. Ó Musa".

Em um outro poema do mesmo livro, "A mulher de Lot", numa combinação de feminismo, desmistificação e iconoclastia, a própria personagem bíblica, aqui em primeira pessoa, justifica o seu gesto de desobediência a Deus: "Senti em mim a velhice. O afastamento./ A futilidade da errância. Sonolência./ (...) Olhei para trás de solidão/ De vergonha de fugir às escondidas".

GRÃOS DE AREIA

Mas, apesar do efeito questionador, nada nessa poesia é grandioso. O processo de desmanche dos mitos se dá por um gesto de desfilamento, nunca de destruição ou grandiloquência.

Os grandes acontecimentos, afinal, são feitos somente de pessoas e de coisas. E essas, como os grãos de areia, não se chamam "de grão, nem de areia" e dispensam "um nome geral, particular/ passageiro, permanente/ errado ou apropriado".

As coisas são, felizmente, poucas e pequenas. É disso que se constitui a vida e, certamente como queria a poeta, também a morte. Szymborska partiu dormindo. Leve como um pássaro.

Leia amanhã na "Ilustríssima" três poemas da autora polonesa

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