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Durante três dias, semana reuniu nem tão modernos

Guiomar Novaes se revoltou contra música tocada no evento; Villa-Lobos foi consagrado após apresentação

DE SÃO PAULO

A Semana de Arte Moderna de 1922 não foi, na realidade, nem tão semana, nem tão moderna assim.

O que se apresentou no Municipal foram três "festivais", como se chamou à época. O primeiro aconteceu na segunda, dia 13 de fevereiro; o segundo, na quarta, dia 15; e o terceiro na sexta, dia 17.

É fato, porém, que permaneceu aberta diariamente ao público, naquela semana, uma exposição de pintura, arquitetura e escultura montada no saguão do teatro.

Eram cerca de cem obras de artistas que se tornaram famosos, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Victor Brecheret, mas também de outros hoje menos conhecidos, como a pintora mineira Zina Aita, o escultor alemão Wilhelm Haarberg e o arquiteto polonês Georg Przyrembel.

O primeiro festival foi inaugurado com uma conferência de Graça Aranha. Tinha 54 anos, idade para ser pai da geração modernista, que estava em torno dos 30.

Graça era um homem com raízes no século 19. Diplomata, havia participado da fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, sem ter ainda publicado um livro.

Seu primeiro romance, "Canaã", considerado vagamente renovador, datava de 1902, mesmo ano de "Os Sertões", de Euclides da Cunha.

Maranhense, formado em direito no Recife, com inclinações "anarquistas" na juventude, havia trabalhado com Joaquim Nabuco na Europa, onde conhecera Eduardo Prado, muito amigo de Eça de Queirós e tio de Paulo Prado, o "mecenas" da Semana.

O diplomata recém-aposentado trabalhava para os Prado, uma das mais ricas famílias paulistas da época. E mantinha um caso extraconjugal com a irmã de Paulo.

Isso explica em parte o que estava fazendo ali. Sua conferência foi ilustrada com poemas de Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho e alguns números de piano, a cargo de Ernani Braga.

Uma das obras executadas foi "D'Édriophthalma", do compositor francês Erik Satie -que parodiava a "Marcha Fúnebre" de Chopin. A escolha da peça irritou a pianista Guiomar Novaes, que nada tinha de modernista, mas era famosa e fora convidada a participar da Semana numa tentativa de garantir público.

Ela escreveu uma carta, publicada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", na qual manifestava seu descontentamento. Dizia que a peça de Satie a deixara "contristada".

Novaes foi a grande atração do segundo dia da Semana, quando tocou Debussy, Blanchet e Villa-Lobos. A plateia queria Chopin, mas ela não cedeu, embora tenha tocado, a pedidos, "L'Arlequin", do francês Vallon, peça que fazia sucesso à época.

A pianista entrou na segunda parte do festival do dia 15, depois da grande vaia que tomou o Municipal. A manifestação explodiu quando o poeta Menotti del Picchia chamou ao palco o escritor Oswald de Andrade, autor de uma série de artigos no "Jornal do Comércio", publicada às vésperas da Semana, em que atacava medalhões da cultura, como o festejado compositor Carlos Gomes.

Segundo o poeta, o autor de "O Guarani" era "horrível" e "difamava o seu país" com "Peris de maiô cor de cuia e vistoso espanador da cabeça".

Ouviram-se "uivos, gritos, pateadas no assoalho, risadas e dichotes chistosos", lembrou Menotti em suas memórias. Foi também nesse dia que Mário de Andrade recitou poemas de "Pauliceia Desvairada" (que estava por publicar) e fez uma breve conferência sobre estética na escadaria do teatro.

O terceiro dia da Semana foi inteiramente dedicado à música de Villa-Lobos.

Também aconteceram manifestações da plateia, mas, no final, o maestro carioca triunfou. Mesmo críticos conservadores reconheceram seu gênio nas páginas da imprensa paulista.

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